Por: Karoline Cavalcante

Tarifaço passa a valer nesta quarta-feira (6)

Lula negou que vá ligar para Trump para discutir tensões diplomáticas | Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

A imposição de tarifas adicionais contra o Brasil pelo governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Republicano), começa a valer nesta quarta-feira (6). Em resposta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) classificou as sanções econômicas como “injustas” e afirmou que o plano de contingência estudado para reduzir os prejuízos será executado. Segundo o chefe do Executivo brasileiro, embora o país nunca tenha deixado a mesa de negociações, todas as medidas cabíveis serão adotadas, inclusive uma possível ação na Organização Mundial do Comércio (OMC). O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, já havia antecipado que a Câmara de Comércio Exterior (Camex) deu aval para esse encaminhamento.

Para Lula, o dia 30 de julho será lembrado como um “marco lastimável” nas relações entre os dois países, caracterizado por uma “ação arbitrária”. Na data, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (Ofac), vinculado ao Departamento do Tesouro norte-americano, determinou a aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. A sanção se baseou em alegações de “prisões arbitrárias” e “supressão da liberdade de expressão” por parte do magistrado, com destaque para sua atuação no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu por suposta tentativa de golpe de Estado após a derrota nas eleições de 2022.

Conselhão

“Nossa democracia está sendo questionada, nossa soberania está sendo atacada, nossa economia está sendo agredida. Este é um desafio que nós não pedimos e que não desejamos. Em nenhum tarifaço aplicado a outros países houve tentativa de ingerência dos poderes do país”, afirmou Lula nesta terça-feira (5), durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), no Ministério das Relações Exteriores, em Brasília.

O encontro do CDESS — também conhecido como “Conselhão” — serviu para o governo articular uma resposta institucional mais ampla e buscar respaldo social. Esta foi a quinta reunião do colegiado desde sua reativação, no início do atual mandato. Criado originalmente no primeiro governo petista, o grupo reúne representantes de setores diversos, como empresários, economistas e lideranças sindicais, com o objetivo de fortalecer o diálogo entre sociedade civil e Executivo.

Ligação para Trump

Sobre rumores de um possível contato direto com Trump para tratar das tensões diplomáticas, Lula negou que vá realizar a ligação, alegando falta de abertura. “Eu não vou ligar para o Trump para conversar nada porque ele não quer falar”, disse. Apesar disso, declarou que pretende telefonar ao atual ocupante da Casa Branca futuramente para convidá-lo à Conferência do Clima da ONU (COP30), marcada para novembro de 2025, em Belém (PA). “Quero saber o que ele pensa sobre a questão climática. Vou ter a gentileza de ligar”, afirmou, acrescentando que também pretende estender o convite ao presidente da China, Xi Jinping, e ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi.

Ainda durante o evento no Itamaraty, Lula comentou que sua participação havia sido pautada pela intenção de “não perder muito tempo falando na taxação”, mas que resolveu abordar o tema para não passar a imagem de quem teria “medo de Trump”.

Expectativas

Em entrevista ao Correio da Manhã, a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Cristina Pecequilo, destacou que, embora a decretação da prisão domiciliar de Jair Bolsonaro — por parte de Moraes, na segunda-feira (4) — não seja a única motivação, as razões por trás das sanções são multifacetadas. Segundo ela, tratam-se de “estratégias de pressão e negociação com parceiros comerciais”.

Pecequilo avaliou que, apesar da inclusão de quase 700 produtos brasileiros na lista de exceção da sobretaxa de 50%, itens como carnes, café, frutas, cacau e pescados serão tarifados, o que pode gerar impactos nos preços para o consumidor americano. “Será necessário acompanhar a tolerância do governo Trump à pressão interna decorrente da elevação dos preços”, afirmou.

Ela também chamou atenção para a importância da COP30, defendendo um foco maior na organização do evento. “Acredito que seria prudente direcionar nossos esforços para a realização de uma COP mais equilibrada e alinhada com as expectativas”, disse, citando preocupações com relatos de preços abusivos de hospedagem e o andamento das obras em Belém.

Para Fabio Andrade, cientista político e professor do curso de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), as sanções estão mais relacionadas à defesa estratégica dos Estados Unidos, especialmente do dólar como moeda dominante no comércio internacional. Ele mencionou o interesse do Brics — bloco internacional que reúne as principais economias emergentes — em criar uma alternativa ao dólar como parte do pano de fundo.

Na visão de Andrade, a prisão de Bolsonaro pode até ter gerado um “efeito colateral” no cenário diplomático, mas ainda é cedo para apontar uma ligação direta com o aumento de tarifas. “O que pode acontecer é potencializar uma dificuldade de acesso”, explicou à reportagem. O professor acrescentou que as medidas adotadas pelo governo brasileiro têm uma conotação mais simbólica do que efetiva, servindo para reforçar a imagem de comprometimento com os trâmites multilaterais. Já a preocupação com a efetividade surge em menor grau.