A recente decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, de decretar a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) provocou uma nova e contundente reação do governo dos Estados Unidos, liderado por Donald Trump (Republicano), agravando ainda mais o já delicado cenário diplomático entre os dois países. Em publicações nas redes sociais, o Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental, órgão vinculado ao Departamento de Estado norte-americano, criticou duramente a medida judicial brasileira, alegando que a decisão fere a liberdade de expressão do ex-chefe do Executivo. A manifestação também inclui ameaças explícitas a quem colaborar com o cumprimento da ordem judicial emitida pelo STF.
O comunicado menciona ainda a inclusão de Moraes no escopo da Lei Magnitsky, aplicada pelos EUA na quarta-feira (30). A legislação permite a imposição de sanções a estrangeiros acusados de corrupção ou de violações graves de direitos humanos. Segundo o escritório, mesmo sob sanção, Moraes continua utilizando as instituições brasileiras “para silenciar a oposição e ameaçar a democracia”.
“Deixem Bolsonaro falar! Os Estados Unidos condenam a ordem de Moraes que impôs prisão domiciliar a Bolsonaro e responsabilizarão todos aqueles que colaborarem ou facilitarem condutas sancionadas”, afirmou o órgão, em nota divulgada na noite de segunda-feira (4).
Críticas
Pouco depois, o vice-secretário de Estado da Casa Branca e ex-embaixador dos EUA no México, Christopher Landau, endossou as críticas em seu perfil pessoal. Para ele, a atuação de Moraes remete a práticas autoritárias. “Os impulsos orwellianos desenfreados do ministro estão arrastando sua Corte e seu país para o território desconhecido de uma ditadura judicial”, escreveu, fazendo referência ao clássico distópico 1984, de George Orwell, como metáfora para o que considera uma repressão institucional disfarçada de legalidade.
Landau também sugeriu que a ordem de prisão teria motivação política. “Seu suposto crime? Aparentemente, criticar o ministro Moraes — que agora convenientemente caracteriza como uma obstrução da justiça”, completou.
As tensões diplomáticas ultrapassaram os canais oficiais. Steve Bannon, ex-estrategista de Trump e figura influente na direita americana, usou seu podcast War Room (Sala de Guerra) para acusar o STF de promover perseguição política. Ele citou documentos divulgados pelo jornalista Michael Shellenberger, que apontam supostos abusos por parte de Moraes no julgamento dos atos de 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília. Bannon, que já havia comparado Moraes a "Lúcifer", reafirmou que mais sanções estão em preparação contra outros membros da Corte brasileira.
A manifestação do governo americano gerou fortes reações no Brasil. O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara, classificou a interferência como "inaceitável" e acusou setores da extrema-direita internacional de tentar transformar o Brasil em uma colônia ideológica. "O Brasil não será protetorado de luxo nem neocolônia da extrema-direita internacional", declarou nas redes sociais.
Impacto
Em entrevista ao Correio da Manhã, o professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) Vinícius Vieira avaliou que as recentes mensagens das autoridades norte-americanas se destinam primariamente aos membros do STF e não ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Acredito que o governo federal, mesmo que desejasse, possui pouca capacidade de ação em relação ao ex-presidente. Trata-se, portanto, de um aviso sobre possíveis retaliações sob a luz da Lei Magnitsky, que ainda não foram completamente aplicadas”, iniciou. “O impacto diplomático de novas sanções contra os magistrados seria considerável, pois seriam interpretadas como sanções ao Estado brasileiro, dado o caráter institucional das figuras envolvidas, como os ministros do Supremo e seus familiares”, esclarece Vieira.
Diante dos acontecimentos, a advogada especialista em direito internacional Hanna Gomes, entende que o clima diplomático tende a se deteriorar ainda mais. Ela explica que reflete uma interferência em assuntos internos e uma afronta à soberania brasileira. “O STF e o Poder Executivo, por sua vez, tendem a manifestar novamente solidariedade a Moraes e reiterar a importância do respeito às suas decisões. Esse posicionamento protetivo e essa fusão de questões políticas e comerciais torna a situação ainda mais complexa e difícil de ser resolvida”, disse Gomes à reportagem.
Prisão
A prisão domiciliar de Bolsonaro foi decretada após o ex-presidente ter participado, ainda que de forma indireta, de manifestações realizadas no último domingo (3), violando medidas cautelares que o proibiam de se comunicar publicamente, inclusive por meio de terceiros. Durante o ato em Copacabana, no Rio de Janeiro, uma mensagem em vídeo foi exibida por seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), contendo apoio ao pai e declarações em defesa de Trump.
Para o ministro Moraes, o episódio representou uma violação direta das restrições judiciais e caracterizou-se como tentativa de obstrução da Justiça e de intimidação ao Poder Judiciário. Na decisão, ele também autorizou a apreensão de celulares em posse de Bolsonaro e restringiu suas visitas e comunicações a um círculo estritamente autorizado.