Mesmo com as tentativas de negociações, a relação comercial e diplomática entre os Estados Unidos e o Brasil segue em um momento delicado. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, adotou um tom firme nesta segunda-feira (4), condenando o que classificou como um “conluio” orquestrado por brasileiros com forças estrangeiras com o objetivo de atingir o país. A declaração foi feita a diplomatas na comemoração de 80 anos do Instituto Rio Branco.
Sem mencionar diretamente o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se licenciou do mandato em março e passou a viver nos EUA, atuando diretamente em favor de sanções a autoridades brasileiras sob o argumento de denunciar violações de direitos humanos e favorecer o seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — que é réu no STF por supostamente articular uma tentativa de golpe de Estado, após perder as eleições em 2022 —, o embaixador declarou sentir orgulho de sua atual tarefa de liderar o Itamaraty na defesa da soberania brasileira.
“Nesse ultrajante conluio, que tem como alvo a nossa democracia, os fatos e a realidade brasileira não importam para os que se erigem em veículo antipatriótico de intervenções estrangeiras”, afirmou. “A Constituição cidadã não está e nunca estará em qualquer mesa de negociação. Nossa soberania não é moeda de troca diante de exigências inaceitáveis. Saudosistas declarados do arbítrio e amantes confessos da intervenção estrangeira não terão êxito em sua tentativa de subverter a ordem democrática e constitucional”, prosseguiu.
“Momento certo”
Na ocasião, o chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, Celso Amorim, confirmou ao portal InfoMoney a intenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de conversar diretamente com o presidente dos EUA, Donald Trump (Republicano). Para esse contato ocorrer, no entanto, aguarda-se “o momento certo”. A fala vai ao encontro de uma declaração do líder do Palácio do Planalto no último domingo (3), durante evento nacional do Partido dos Trabalhadores, em Brasília. Naquele momento, Lula defendeu que a negociação precisa ser feita com cautela, pois há “um limite de briga” com o governo norte-americano.
"O governo tem que fazer aquilo que ele tem que fazer. Por exemplo, nessa briga que a gente está fazendo agora, com a taxação dos Estados Unidos, eu tenho um limite de briga com o governo americano. Eu não posso falar tudo que eu acho que eu devo falar, eu tenho que falar o que é possível falar, porque eu acho que nós temos que falar aquilo que é necessário", disse o petista. “Nós não queremos confusão. Então, quem quiser confusão conosco, pode saber que nós não queremos brigar. Agora não pensem que nós temos medo”, finalizou.
Tratativas
Com o prazo para a nova data da implementação das tarifas extras sobre produtos brasileiros no território norte-americano se encerrando na quarta-feira (6), o governo federal continua organizando tratativas sobre o tema. O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, convocou, também nesta segunda-feira, uma reunião com colegas da Esplanada. Entre os nomes, estiveram presentes os ministros da Casa Civil, Rui Costa; da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro; da Pesca e Aquicultura, André de Paula; do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira; além de integrantes da Fazenda, da Indústria, da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), da Apex Brasil e diversos representantes do setor produtivo.
Desde o anúncio da possível imposição de sobretaxas ao Brasil, o Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais — comandado por Alckmin — já realizou 25 reuniões com quase 200 representantes de mais de 120 empresas/entidades. Na última quarta-feira (30), o líder da Casa Branca chegou a publicar um decreto estipulando exceções a cerca de 700 produtos de grande consumo pelos EUA, como suco de laranja, madeira, ferro e aço. No entanto, produtos como carnes, café, frutas, cacau e pescados seguem na lista.
Segundo o vice-presidente, o Conselho da Câmara de Comércio Exterior (Camex) autorizou que o Brasil acione a Organização Mundial do Comércio (OMC) contra o tarifaço. Agora, cabe a Lula decidir “como e quando fazê-lo”.
Lei Magnitsky
Para além das sanções financeiras, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (Ofac), órgão ligado ao Departamento do Tesouro norte-americano, aplicou, na última quarta-feira (30), a Lei Magnitsky contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. A legislação foi criada em 2016 nos EUA para punir violações graves de direitos humanos e casos de corrupção significativa. A inclusão de um indivíduo nessa lista implica, além da revogação do visto e da proibição de entrada em território norte-americano, a restrição de transações com pessoas físicas e jurídicas sediadas nos país norte-americano.
O documento alega que o magistrado promoveu “prisões arbitrárias” e a “supressão da liberdade de expressão”, além de ter direcionado suas decisões contra figuras da oposição. Diversas autoridades brasileiras saíram em defesa de Moraes, repudiando a penalidade imposta.
Em entrevista ao Correio da Manhã, o advogado e especialista em Direito Internacional, Henrique Scliar, mencionou que um dos principais idealizadores da lei, William Browder, criticou abertamente sua aplicação neste contexto, “gerando debate global sobre suas implicações jurídicas e políticas”.
“Esse debate, central no direito internacional, evidencia a tensão entre a soberania nacional e medidas unilaterais adotadas por países com grande influência”, disse,
“Diante disso, o Brasil deve adotar uma postura estratégica, rejeitando imposições, mas também evitando a inércia. A diplomacia técnica precisa analisar cuidadosamente os próximos passos, considerando o peso político das decisões comerciais e econômicas, especialmente em momentos de tensão”, explicou Scliar.