Com a decisão da Justiça italiana de manter a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) em cárcere, ela aguardará o desfecho do processo de extradição na penitenciária de Rebibbia, em Roma. Em entrevista ao Correio da Manhã, o professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) Vinícius Vieira avaliou que os desdobramentos do caso expõem uma dinâmica complexa e a ausência de respaldo imediato por parte das autoridades italianas — embora não descarte possíveis reviravoltas no cenário.
A decisão de manter a parlamentar presa foi tomada na última sexta-feira (1º), durante audiência de custódia realizada pela Quarta Seção do Tribunal de Roma. Zambelli havia deixado o Brasil em maio deste ano, após ser condenada a dez anos de prisão pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) — por falsidade ideológica e invasão de dispositivo informático qualificado por prejuízo econômico.
A condenação se refere ao seu envolvimento no planejamento do ataque aos sistemas eletrônicos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), executado em 2023 pelo hacker Walter Delgatti. Após sua fuga, foi declarada foragida pela Justiça brasileira e incluída na Difusão Vermelha da Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal), passando a ser considerada procurada internacionalmente.
Articulação oposicionista
Ela foi localizada e detida por autoridades italianas na última terça-feira (29). Desde então, sua defesa e setores da oposição brasileira têm atuado para barrar a extradição, argumentando que Zambelli é vítima de “perseguição política” por parte do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em articulação com o STF, “em especial pelo ministro Alexandre de Moraes”.
Vinícius Vieira pondera que, apesar de possíveis simpatias ideológicas da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, ela governa em aliança com partidos de centro e centro-direita, “que podem ter ressalvas em relação a essa questão”. Por outro lado, ressalta que a atuação de redes internacionais de extrema-direita, que manifestaram apoio à deputada, não pode ser ignorada. “A figura de Steve Bannon, que presta assessoria ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos, pode servir como um elo para influenciar o governo italiano, possivelmente através de Matteo Salvini, um político de extrema-direita e aliado da primeira-ministra”, explicou.
Extradição
Na quinta-feira (31), a Advocacia-Geral da União (AGU) anunciou que tomará “todas as providências cabíveis e necessárias” para concluir o pedido de extradição, após determinação de Moraes.
Para o advogado criminalista Guilherme Gama — mestre em Direito e Processo Penal e professor universitário —, a decisão da Justiça italiana demonstra que os juízes identificaram fundamentos para a custódia cautelar, ou seja, reconheceram riscos como possível fuga ou dificuldade de localização, justificando a manutenção da prisão durante o processo. No entanto, o processo de extradição na Itália é rigoroso e, muitas vezes, demorado.
“Primeiro, o tribunal analisa se o processo brasileiro foi legal e respeitou os direitos fundamentais da condenada. Depois, avalia se não há caráter de perseguição política no caso. Só após essa fase jurídica, houver sinal verde, o governo italiano avalia politicamente se autoriza a entrega. Ou seja, mesmo com a prisão, estamos apenas no início de uma maratona que pode durar meses ou anos”, afirmou.
Gama explica que a tramitação segue um rito diplomático e processual bem definido. Cabe ao Brasil enviar a documentação que fundamenta o pedido de extradição. Na Itália, o Ministério Público será consultado, e o tribunal examinará os detalhes da condenação à luz do tratado firmado entre os dois países.
“Se o pedido for aceito, começa a fase logística da extradição. A Polícia Federal brasileira viaja à Itália para buscar a parlamentar, definindo se o traslado será em voo comercial ou aeronave própria da PF. Enquanto isso, a defesa deve explorar recursos e argumentos, com foco na tese de perseguição política, que é a principal possibilidade de frear a extradição pela lei italiana”, acrescentou.
Prisão
Considerando o histórico de cooperação entre Brasil e Itália e as características do caso, o especialista avaliou que as chances de aceitação do pedido são elevadas. A pena aplicada supera um ano de reclusão, não envolve sanções como prisão perpétua ou pena de morte e “tampouco se enquadra, à primeira vista, como de natureza política” — fatores que atendem aos critérios do tratado bilateral.
“Se a extradição for concedida, no Brasil a parlamentar passará a cumprir a pena de dez anos à qual foi condenada. Não há aumento automático da pena, mas o histórico de fuga pode pesar contra a obtenção de benefícios, como progressão de regime ou prisão domiciliar, porque demonstra resistência à execução da pena e risco de evasão”, declarou o professor universitário.
O advogado esclarece ainda, que como a condenação já transitou em julgado, a pena não pode ser ampliada. Porém, a fuga interfere diretamente nas condições de cumprimento, reduzindo as chances de progressão de regime, livramento condicional ou detenção domiciliar. “O juiz da execução penal vai analisar com muita cautela qualquer pedido de flexibilização, justamente porque há risco de nova evasão. A fuga não piora a pena em si, mas torna a vida prisional mais rígida e dificulta qualquer tipo de benefício”, finalizou.