Na iminência da aplicação das tarifas extras contra o Brasil, o governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Republicano), anunciou nesta quarta-feira (30) a aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A decisão foi divulgada pelo Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (Ofac), órgão ligado ao Departamento do Tesouro norte-americano.
De acordo com o documento oficial, a medida se baseia em alegações de “prisões arbitrárias” e na “supressão da liberdade de expressão” atribuídas ao magistrado. O texto menciona ainda que Moraes tem direcionado suas decisões contra políticos da oposição, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), atualmente réu no STF por suposta tentativa de golpe de Estado após a derrota nas eleições de 2022, além de impor restrições a plataformas de mídia social sediadas nos EUA.
"Alexandre de Moraes assumiu a si mesmo o papel de juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal contra cidadãos e empresas dos EUA e do Brasil", declarou o secretário do Tesouro, Scott Bessent. "De Moraes é responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos politizados – inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. A ação de hoje deixa claro que o Tesouro continuará a responsabilizar aqueles que ameaçam os interesses dos EUA e as liberdades de nossos cidadãos", completou.
Sanções
O documento ressalta que “o poder e a integridade das sanções do Ofac derivam não apenas da capacidade de designar e adicionar pessoas à Lista de Nacionais Especialmente Designados e Pessoas Bloqueadas (SDN List), mas também de sua disposição de remover pessoas da SDN List de acordo com a lei. O objetivo final das sanções não é punir, mas provocar uma mudança positiva de comportamento”, conclui o texto.
Em nota, o STF manifestou solidariedade ao ministro integrante da Corte e pontuou que o julgamento de crimes que implicam atentado grave à democracia brasileira é de exclusiva competência da Justiça do país, no exercício independente do seu papel constitucional. “Todas as decisões tomadas pelo relator do processo foram confirmadas pelo Colegiado competente. O Supremo Tribunal Federal não se desviará do seu papel de cumprir a Constituição e as leis do país, que asseguram a todos os envolvidos o devido processo legal e um julgamento justo”, disse a instituição.
Lei Magnitsky
Em entrevista ao Correio da Manhã, a Consultora Política e especialista em Relações Internacionais e Comércio Exterior Giovana Emerick explicou o significado da inclusão do magistrado na legislação. Para ela, a decisão é mais do que simbólica e revela, acima de tudo, a interpretação unilateral de Trump para escolher alvos de sanção sem respaldo em processos ou consensos internacionais prévios.
Ela ressaltou ainda o momento da aplicação da medida — um dia antes, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, havia se manifestado publicamente em defesa da regulamentação das big techs — o que, segundo Emerick, dá ao caso “um tom ainda mais político”.
A internacionalista explicou que, com a designação, todos os bens e interesses de Moraes em território americano ou sob jurisdição dos EUA são imediatamente bloqueados. Isso inclui contas bancárias, investimentos, imóveis e até cartões de crédito de bandeiras como Visa, Mastercard e American Express.
Cidadãos e empresas dos EUA ficam proibidos de realizar qualquer transação com ele ou com entidades que ele controle, direta ou indiretamente, em 50% ou mais. A sanção pode ter efeitos globais devido à dominância do dólar no sistema financeiro internacional, já que bancos fora dos EUA que façam “dollar clearing” — operações registradas de compensação, liquidação e o gerenciamento de risco de operações do mercado brasileiro interbancário de dólar a vista — também seriam obrigados a cumprir a medida.
Além disso, o juiz ficará impedido de entrar nos Estados Unidos, com eventual revogação de visto e negativa automática em futuras solicitações. A sanção pode ainda afetar sua presença no meio digital, uma vez que empresas como Google, Apple, Meta, Microsoft e Amazon — sujeitas à legislação americana — podem bloquear acesso a serviços como e-mails, redes sociais, armazenamento em nuvem e licenças de software. Isso levanta a possibilidade de uma espécie de “pena de morte digital”.
Por fim, a especialista alertou que a inclusão na lista da Lei Magnitsky confere um estigma internacional duradouro e quase indelével. “O indivíduo passa a ser visto pela comunidade global como um violador de direitos humanos ou corrupto, prejudicando severamente sua credibilidade e capacidade de interação em fóruns diplomáticos, acadêmicos, jurídicos e empresariais”, finalizou Emerick.
Outras reações
Ainda nesta quarta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou uma reunião ministerial de emergência no Palácio do Planalto para definir o tom que o Brasil vai adotar para defender a soberania nacional — diante também da confirmação por parte da Casa Branca da aplicação das sobretaxas aos produtos brasileiros a partir da próxima quarta-feira (6). Participaram do encontro o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB); e os ministros da Fazenda, Fernando Haddad; da Justiça, Ricardo Lewandowski; da Secretaria de Relações Institucionais do Brasil, Gleisi Hoffmann; além do advogado-geral da União, Jorge Messias.
Mais cedo, o AGU já havia manifestado forte repúdio e integral solidariedade à Moraes diante de medidas “arbitrárias e injustificáveis” que “atentam contra a autoridade e a independência” das instituições brasileiras. Ele considerou que todas as medidas, “que são de responsabilidade do Estado brasileiro para salvaguardar sua soberania e instituições, especialmente em relação à autonomia de seu Poder Judiciário” serão adotadas de forma ponderada e consciente nos fóruns e momentos adequados.
“A existência de uma Justiça independente é pilar essencial de qualquer democracia e nós, brasileiros, jamais admitiremos sofrer assédio político contra quem aqui cumpre seu dever constitucional. Não nos curvaremos a pressões ilegítimas, que tentam macular a honra e diminuir a grandeza de nossa nação soberana”, finalizou, em nota enviada à reportagem.
Gleisi Hoffmann classificou a nova sanção como um “ato violento e arrogante” e atribuiu a “mais um capítulo da traição da família Bolsonaro ao país”. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), — filho do ex-chefe do Executivo — se licenciou do mandato em março e passou a viver nos EUA, atuando diretamente em favor de sanções a autoridades brasileiras sob o argumento de denunciar violações de direitos humanos. “Nenhuma Nação pode se intrometer no Poder Judiciário de outra. Solidariedade ao ministro e ao STF. Repúdio total do governo Lula a mais esse absurdo”, declarou a ministra da SRI.
Enquanto isso, Eduardo considerou as sanções financeiras duras, “mas ainda leves diante do que Moraes impôs a milhares de brasileiros inocentes”. “E deixamos claro: a era dos recuos acabou. Não vamos parar até que o povo brasileiro esteja livre para se expressar, para se reunir, para votar, para apoiar quem quiser — sem medo da vingança de um tirano. Somos muito gratos e conclamamos os demais líderes do mundo livre a se juntarem aos Estados Unidos. E este não é, nem de longe, o último passo”, afirmou o deputado na rede social X (antigo Twitter).