A menos de uma semana da data anunciada para a imposição de tarifas adicionais sobre produtos brasileiros pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Republicano), o cenário continua em constante evolução. Enquanto o Brasil intensifica esforços diplomáticos para alcançar um entendimento com autoridades norte-americanas, a situação interna nos EUA também se complica, com sinais de conflito entre os poderes.
Na última semana, um grupo de 11 senadores do Partido Democrata encaminhou uma carta a Trump, manifestando preocupação com o que classifica como um “claro abuso de poder” nas ameaças de uma possível guerra comercial com o Brasil. No documento, divulgado pelo Comitê de Relações Exteriores do Senado na sexta-feira (25), os parlamentares acusam o líder da Casa Branca de utilizar a política econômica como ferramenta para interferir em favor de aliados políticos — em referência a declarações em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por supostamente articular uma tentativa de golpe de Estado para permanecer no poder, após as eleições em 2022.
Déficit
A carta contesta as justificativas dadas pelo republicano ao anunciar as sanções, previstas para entrarem em vigor no dia 1º de agosto. Segundo o presidente, o comércio entre os dois países seria "muito injusto", gerando um "déficit comercial insustentável". No entanto, os senadores argumentam que os Estados Unidos registraram superávit de US$ 7,4 bilhões em 2024 na balança comercial com o Brasil e não enfrentam déficit nesse relacionamento desde 2007.
Além dos dados, o grupo alertou para os impactos de uma escalada tarifária. Entre os possíveis efeitos, estão o aumento de custos para famílias e empresas norte-americanas e um eventual estreitamento entre Brasil e China. “Os americanos importam mais de US$ 40 bilhões anualmente do Brasil, incluindo quase US$ 2 bilhões em café. O comércio entre os EUA e o Brasil sustenta quase 130 mil empregos nos Estados Unidos, que estão em risco devido às ameaças de tarifas elevadas. O Brasil também prometeu retaliar, e vocês, preventivamente, prometeram retaliar na mesma moeda – o que significa que os exportadores americanos sofrerão e os impostos sobre importações para os americanos subirão além do nível ameaçado de 50%”, diz o texto.
Fora do escopo
Jorge Ferreira dos Santos Filho, economista e professor de Administração da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), explicou que, embora o presidente norte-americano tenha alguma autonomia para decidir sobre tarifas em situações excepcionais, as decisões relativas à política comercial são, em regra, competência do Legislativo. Segundo ele, a iniciativa foge tanto do escopo tradicional da atuação presidencial quanto das normas que regem a diplomacia internacional.
“Eles estão justamente reforçando isso. Embora o presidente dos Estados Unidos tenha alguma alçada para decidir tarifa, o que Trump fez em relação ao Brasil foge muito do escopo da atuação dele. E, segundo, foge também do escopo do que seria uma tarifa internacional por conta do teor da carta. O documento insiste que ela não tem precedentes na diplomacia recente: duas democracias e uma delas tomando decisões de interferir na política interna da outra”, avaliou.
Efeitos econômicos
De acordo com Santos Filho, caso as tarifas entrem em vigor como estão formuladas, os efeitos sobre a economia brasileira poderão ser expressivos. “Alguns analistas calculam até U$ 175 bilhões nos próximos meses, algumas cadeias de valor vão ser afetadas, a da indústria — tanto a pesada quanto a de aviação e a maquinário — o agronegócio será atingido tanto na exportação de café e soja, como na exportação de proteína animal, de carne bovina, carne suína e carne de aves e o impacto que pode sim causar, se a tarifa for estabelecida, a perda de alguns milhares de empregos ao longo dos meses”, declarou.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já havia antecipado, em entrevista à Rádio Itatiaia, que mais de dez mil empresas brasileiras serão atingidas. Ele ressaltou que os próprios Estados Unidos também sofrerão os efeitos. O governo brasileiro, segundo representante da pasta, já estuda medidas de contingência, como linhas de crédito, que devem ser apresentadas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta semana.
Interesses particulares
Para Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), há expectativa de que o Executivo norte-americano edite algum decreto para legitimar juridicamente a medida. Vieira também comentou a atuação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se licenciou do mandato em março e passou a viver nos EUA, atuando diretamente em favor de sanções a autoridades brasileiras sob o argumento de denunciar violações de direitos humanos.
O professor avaliou que setores da direita brasileira demonstram disposição para prejudicar empregos no país em nome de interesses particulares. De acordo com ele, essa postura tem provocado uma mudança no cenário político nacional, reacendendo o apoio ao presidente Lula, que tem adotado um discurso mais nacionalista.
Resposta firme
Os especialistas ouvidos pelo Correio da Manhã concordam que a resposta brasileira tem sido firme e estratégica. A professora de Relações Internacionais Cristina Pecequilo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), destacou a atuação do Brasil em fóruns multilaterais, como na Organização Mundial do Comércio (OMC). Em reunião realizada nos dias 22 e 23 de julho, em Genebra, o embaixador Philip Fox-Drummond Gough, representante do Itamaraty, criticou o uso de medidas comerciais como instrumento de pressão política, obtendo apoio de mais de 40 países.
“A carta democrata é importante, assim como as manifestações de empresários dos EUA que têm visto o risco de perder o mercado brasileiro e da inflação nos EUA. As demandas de Trump no que diz respeito às big techs, ingerências políticas, não podem ser aceitas pelo Brasil. Da mesma forma, ficou claro que há espaço de barganha com os minerais críticos. Com isso, é possível manter o curso atual e buscar novos mercados e políticas públicas caso as tarifas realmente entrem em vigor dia 1º”, analisou a internacionalista.