Por: Gabriela Gallo

Moraes não decreta prisão de Bolsonaro, mas considera desobediência

Decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal teve o efeito de advertência | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Apesar de ter considerado que o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) descumpriu medidas cautelares impostas, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes não decretou a prisão do ex-presidente, alegando que se tratou de uma “irregularidade isolada” de Bolsonaro. O ministro publicou a decisão nesta quinta-feira (24), após os advogados de defesa do ex-presidente – réu por fazer parte do grupo principal do plano de tentativa de golpe de Estado – encaminharem ao magistrado um embargo de declaração alegando que Bolsonaro não tinha conhecimento de que teria descumprido a medida.

“Por se tratar de irregularidade isolada, sem notícias de outros descumprimentos até o momento, bem como das alegações da Defesa de Jair Messias Bolsonaro da ‘ausência de intenção de fazê-lo, tanto que vem observando rigorosamente as regras de recolhimento impostas’, deixo de converter as medidas cautelares em prisão preventiva, advertindo ao réu, entretanto, que, se houver novo descumprimento, a conversão será imediata”, escreveu Moraes.

Entrevistas

Em sua decisão, o ministro também esclareceu que “em momento algum Jair Bolsonaro foi proibido de conceder entrevistas ou proferir discursos em eventos públicos ou privados”, desde que respeitados os horários estabelecidos nas medidas restritivas em que ele não pode estar fora de casa (de 19h às 6h do dia seguinte).

“A explicitação da medida cautelar imposta no dia 17/7 pela decisão do dia 21/7, deixou claro que não será admitida a utilização de subterfúgios para a manutenção da prática de atividades criminosas, com a instrumentalização de entrevistas ou discursos públicos como ‘material pré-fabricado’ para posterior postagens nas redes sociais de terceiros previamente coordenados”, reiterou o magistrado em sua decisão.

“Será considerado burla à proibição imposta pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal ao réu, à replicação de conteúdo de entrevista ou de discursos públicos ou privados reiterando as mesmas afirmações caracterizadoras das infrações penais que ensejaram a imposição das medidas cautelares, para que, posteriormente, por meio de ‘milícias digitais’, ou mesmo apoiadores políticos, ou ainda, por outros investigados, em patente coordenação, ocorra a divulgação do conteúdo ilícito previamente elaborado especialmente para ampliar a desinformação nas redes sociais”, completou.

Recuo?

Desde que decretou o uso de tornozeleira eletrônica para Jair Bolsonaro, Moraes vem sendo duramente criticado pela oposição aliada ao ex-presidente. E as críticas se intensificaram ainda mais após um despacho do magistrado reiterando que o réu estava proibido de participar de “transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros”. A medida não tinha ficado claro se o ex-presidente poderia conceder entrevistas à imprensa – o que foi desmentido por Moraes em sua última decisão – e levou parlamentares a acusarem Moraes de censurar Bolsonaro.

Ao Correio da Manhã, o coordenador de Análise Política e Legislativo na BMJ Consultores Associados Lucas Fernandes avaliou que a decisão de Moraes não se trata de um recuo do processo contra Bolsonaro, mas uma medida de cautela no caso. “Não vislumbro que daqui para frente o julgamento se torne mais moroso [lento] ou que a pena definida pelos magistrados seja menor do que a pena que é antecipada. O julgamento deve correr com bastante celeridade, com perspectiva de finalização desse julgamento ainda esse ano com uma eventual prisão de Bolsonaro e um posicionamento duro dos ministros do STF”, destacou Fernandes.

Na mesma linha, o cientista político pela Universidade Federal de Pernambuco João Felipe Marques também avalia que o caso “não significa um recuo, mas sim uma avaliação técnica das condições do processo”, especialmente porque “o processo continua em curso no Supremo Tribunal Federal, sem qualquer alteração substancial até aqui”.

Questionado pela reportagem sobre os próximos passos da oposição quanto ao processo judicial de Bolsonaro, João Marques afirmou que “a tendência é que os aliados de Bolsonaro usem a decisão para travar o avanço do processo no campo da opinião pública”.

“Mesmo inelegível, Bolsonaro ainda é o principal articulador simbólico e político da direita. Uma eventual prisão teria um peso simbólico forte, com potencial de desmobilizar parte da base. Por isso, a narrativa agora se concentra em frear o processo e blindar sua imagem junto ao eleitorado mais fiel”, ponderou o cientista político.

Lucas Fernandes ainda completou que os aliados do ex-presidente devem adotar as ações de Moraes como munição para criticar o STF, porém, essa última decisão “não serve de muitos argumentos a favor dessa narrativa de que há uma perseguição política contra o Bolsonaro”.

“Se houvesse uma prisão preventiva nesse momento – com Bolsonaro usando tornozeleira eletrônica, passaporte retido, chances baixíssimas de fugir do país e com a imprensa na porta do condomínio dele o tempo todo – aí, sim, os aliados e o próprio Bolsonaro teriam muito mais argumentos para falar de perseguição jurídica”, avaliou o analista.