A menção feita pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), como coautor da suposta tentativa de golpe de Estado, muda completamente o cenário político. A citação, contida na decisão que impôs medidas cautelares ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), pai do parlamentar, coloca Eduardo diante de um impasse crucial: manter o mandato e arriscar a prisão ou renunciar e permanecer fora do país.
Desde março, o congressista está nos Estados Unidos. Com o fim da sua licença no último domingo (20), precisa decidir se retorna ao Brasil para reassumir o cargo ou se abre mão do mandato. Para o cientista político Elias Tavares, essa escolha representa um divisor de águas em sua trajetória política. “Mas também é a chance de sustentar a narrativa de que não foge da luta, que segue enfrentando o sistema de frente. O problema é que o ambiente jurídico é muito desfavorável”, afirmou ao Correio da Manhã.
Por outro lado, caso opte por permanecer no exterior e renunciar, preservaria a liberdade, mas enfrentaria desgaste político. “Enfraquece muito a própria imagem. Isso esvazia o discurso de coragem que o bolsonarismo sempre cultivou”, avaliou Tavares.
O especialista também observa que, qualquer que seja a decisão do deputado, o impacto sobre o campo bolsonarista será significativo. “A decisão do STF rompe até mesmo esse elo simbólico entre pai e filho, e mostra que o Supremo está tratando o caso como um projeto de poder criminoso, e não só como agitação política”, disse. A determinação de Moraes, expedida na sexta-feira (18), impôs ao ex-presidente medidas como uso de tornozeleira eletrônica, proibição de uso das redes sociais e de manter contato com Eduardo.
Na petição, o ministro sustenta que os dois atuaram em conjunto com o objetivo de submeter o funcionamento do Supremo ao crivo de autoridades estrangeiras, “por meio de atos hostis derivados de negociações espúrias e criminosas com patente obstrução à Justiça e clara finalidade de coagir a Corte”, além de atribuir a ambos “flagrantes confissões da prática dos atos criminosos”.
Projeções para 2026
A crise ocorre num momento em que o filho do ex-presidente buscava se projetar como um dos possíveis nomes da direita para a corrida presidencial de 2026, diante da inelegibilidade do pai até 2030, imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Recentemente, protagonizou um embate direto com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), também cotado como presidenciável.
O atrito entre os dois surgiu após a ameaça do presidente dos EUA Donald Trump (Republicano) de aplicar sanções tarifárias ao Brasil. Eduardo classificou como “desrespeito” a iniciativa de Tarcísio de tentar articular com autoridades norte-americanas uma solução diplomática para o impasse.
“Se ele renuncia e decide permanecer nos Estados Unidos, ele sai da arena eleitoral brasileira. Deixa de ser ator do processo democrático interno e aposta todas as fichas numa narrativa de perseguição. Pode até manter influência digital, mas se afasta dos palanques reais, dos debates e da disputa institucional”, explicou Tavares. Ele acrescenta que, nesse cenário, figuras mais moderadas da direita — como Tarcísio — ganham espaço, “enquanto Eduardo se isola num discurso mais extremo”.
Avaliação jurídica
Para a advogada Daniela Vlavianos, sócia do escritório Poli Advogados & Associados, ainda será necessário individualizar com precisão os fatos atribuídos a Eduardo, especialmente para efeitos penais. Ela ressalta que, caso o parlamentar retorne ao Brasil, não se pode descartar a possibilidade de novas medidas cautelares por parte do STF.
A tipificação criminal dependerá de elementos como dolo, a prática efetiva de atos voltados à tentativa de abolição do Estado democrático de direito, e a conexão causal entre essas ações e os eventos investigados. Segundo ela, embora a Corte tenha adotado uma postura rigorosa diante de condutas consideradas antidemocráticas, o devido processo legal permanece essencial.
“No momento, o que se observa é um avanço da responsabilização jurídica em paralelo ao desgaste político, que poderá se intensificar caso ele opte por renunciar ao mandato como estratégia de proteção pessoal. Portanto, embora a decisão de Moraes traga afirmações contundentes e medidas restritivas relevantes, inclusive a proibição de contato entre pai e filho, a eventual prisão de Eduardo Bolsonaro dependerá de um aprofundamento das investigações, com base em provas concretas”, afirmou Vlavianos à reportagem.
Alternativas em discussão
Nos bastidores, parlamentares aliados tentam construir saídas que garantam mais tempo para Eduardo. Uma das propostas, apresentada no início de julho pelo líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), sugere permitir a prorrogação, por uma única vez, da licença para tratar de assuntos particulares.
Outra sugestão, protocolada em junho pelo deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), visa alterar o Regimento Interno da Casa para permitir o exercício remoto do mandato parlamentar. Como o Congresso está em recesso até 4 de agosto, Eduardo ainda conta com um prazo para apresentar sua decisão à Mesa Diretora — e cogita usar o direito a algumas ausências justificadas. A estratégia dos aliados é ganhar tempo para articular a aprovação dessas matérias assim que os trabalhos forem retomados.