Por: Karoline Cavalcante

Mauro Cid pode não ter o benefício que esperava com delação

Para Gonet, Mauro Cid não teria agido com a "boa fé" esperada na colaboração | Foto: Ton Molina/STF

Além de pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) a condenação dos oito integrantes do “núcleo crucial” da suposta tentativa de golpe de Estado em 2022, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, também defendeu que a pena do tenente-coronel Mauro Cid — ex-ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro (PL) e delator no processo — seja reduzida em proporção menor do que a estipulada originalmente no acordo firmado com a Justiça.

O parecer foi protocolado às 23h45 da segunda-feira (14), poucos minutos antes do fim do prazo. Segundo Gonet, a colaboração de Cid apresentou inconsistências, omissões e descumprimento de compromissos assumidos com a Justiça. “Diante do comportamento contraditório, marcado por omissões e resistência ao cumprimento integral das obrigações pactuadas, entende-se que a redução da pena deva ser fixada em patamar mínimo”, afirma o procurador-geral. O Ministério Público sugere, portanto, a redução de apenas 1/3 da pena pelos crimes imputados.

Na avaliação da PGR, Cid não preenche os requisitos para benefícios como o perdão judicial, a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, ou a redução máxima de dois terços, vantagens condicionadas a uma colaboração “efetiva, integral e pautada pela boa-fé”, segundo Gonet.

Descumprimento

Os problemas com Mauro Cid chegaram a levar os advogados dos demais réus, como Celso Villardi, que defende Bolsonaro, a pedir a anulação da delação premiada.

Para exemplificar os indícios de descumprimento do acordo, o documento cita episódios revelados pela revista Veja, como áudios enviados por Cid em que ele ataca o STF e a Polícia Federal, além da suspeita de que teria utilizado um perfil falso no Instagram — "@gabriela702" — para entrar em contato com o advogado Eduardo Kunz, defensor do coronel do Exército Marcelo Costa Câmara, ex-assessor de Bolsonaro e também réu na ação penal. Na ocasião, a Meta, instada a se manifestar, confirmou que o perfil em questão foi criado a partir de um e-mail vinculado ao nome do ex-ajudante de ordens.

No entanto, a Procuradoria ressalta que a questão ainda está sob apuração, não sendo possível, por ora, atribuir ao réu a autoria dos acessos. Mesmo que confirmada a vinculação do perfil ao ex-ajudante de ordens, isso não invalidaria, por si só, a legalidade do acordo de colaboração premiada, cuja regularidade e espontaneidade foram reconhecidas ao longo do processo. Segundo Gonet, o episódio, se comprovado, apenas reforçaria o caráter ambíguo da conduta do colaborador, que, paralelamente à cooperação oficial, teria buscado restabelecer contato com outros investigados e obter vantagens indevidas.

“Ao lado dos benefícios trazidos à instrução processual, o comportamento do colaborador igualmente ensejou prejuízos relevantes ao interesse público e à higidez da jurisdição penal, exigindo criteriosa ponderação quanto à concessão das benesses previstas em lei”, afirma o trecho. “Registre-se, nesse sentido, que a omissão de fatos graves, a adoção de uma narrativa seletiva e a ambiguidade do comportamento prejudicam apenas o próprio réu, sem nada afetar o acervo probatório desta ação pena”, prossegue o procurador.

Núcleo Crucial

Para Gonet, ficou evidente que o grupo atuou com o objetivo de derrubar o governo legitimamente eleito e manter-se no poder de forma autoritária, sob liderança direta do então presidente Jair Bolsonaro.

Além de Bolsonaro e de seu ex-ajudante de ordens, compõem o chamado “núcleo crucial” da trama golpista o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil Walter Braga Netto — que foi candidato a vice-presidente na chapa derrotada em 2022; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno; o deputado federal e ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem; o ex-ministro da Justiça Anderson Torres; o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier.

O relatório pede para que todos os denunciados respondam por cinco crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Próximos passos

Neste momento do processo, abre-se uma janela de 15 dias destinada exclusivamente à defesa de Mauro Cid. Por ter firmado um acordo de colaboração premiada com as autoridades, o tenente-coronel tem o direito de se manifestar antes dos demais réus.

Na sequência, os outros sete acusados terão também 15 dias para apresentar seus argumentos em busca da absolvição. Concluída essa etapa, caberá ao ministro Alexandre de Moraes, relator da ação no Supremo Tribunal Federal (STF), marcar a data em que o caso será levado à Primeira Turma da Corte. Na ocasião, Moraes apresentará seu voto, seguido dos demais ministros da Primeira Turma: Cristiano Zanin, Flávio Dino, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Caberá ao colegiado decidir se os réus serão condenados ou absolvidos.