São frequentes as caricaturas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nas quais ele aparece caracterizado com um taco, o salgadinho mexicano feito de milho. A referência é por conta de uma pecha que a oposição norte-americana colou nele. Taco refere-se às iniciais de “Trump Always Chicken Out”, algo que pode ser traduzido para “Trump Sempre Amarela”. Ou seja, ameaça mas, ao final, diante das consequências, volta atrás. Para a advogada especialista em relações internacionais, Hanna Gomes, com relação às ameaças de sobretaxar em 50% os produtos brasileiros, essa é de novo uma possibilidade.
As recentes tensões entre os Estados Unidos e o Brasil — que culminaram em ameaças da Casa Branca de sobretaxar em 50% os produtos brasileiros e na sinalização do Palácio do Planalto de reagir com base na Lei da Reciprocidade Econômica — ainda não apresentam perspectiva de um acordo que possa reverter o cenário. Em entrevista ao Correio da Manhã, contudo, Hanna Gomes afirmou que, considerando os prejuízos imediatos e os impactos internos, além das negociações diplomáticas em curso, “é bem possível que essa ameaça tarifária não se concretize em 1º de agosto”.
Segundo ela, a tarifa anunciada pelo presidente dos EUA, Donald Trump (Republicano), parece ser impulsionada por uma combinação de interesses políticos e ideológicos. No entanto, a motivação real por trás desse movimento protecionista é majoritariamente econômica.
Fachada com Bolsonaro
“Trump é conhecido por usar tarifas como ferramenta de negociação. Ao impor uma tão alta, ele pode estar buscando uma reação do governo brasileiro para forçar concessões em outras áreas, mesmo que não diretamente relacionadas ao comércio”, explicou Gomes. Além disso, afirmou que o recorte político de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é “apenas uma fachada para agradar o público da extrema direita”.
A advogada destaca ainda que, do ponto de vista econômico, a justificativa de "déficit comercial insustentável" com o Brasil não encontra respaldo nos dados oficiais. “Os EUA registraram um superávit de mais de 7 bilhões de dólares na balança de bens com o Brasil em 2024, segundo dados do próprio governo americano”, afirmou.
Hanna menciona também que os avanços nas discussões do Brics — bloco de cooperação internacional, inicialmente formado por Brasil, Rússia, ìndia, China e África do Sul, ao qual se incorporaram outras economias emergentes, presidido atualmente pelo Brasil — sobre a criação de uma moeda alternativa ao dólar podem ter contribuído para a percepção de Trump sobre um novo alinhamento geopolítico brasileiro, “transformando a sobretaxa em um possível ‘alerta’ ou ‘chantagem política’ em um cenário internacional cada vez mais complexo”.
Tarifas
Os líderes das duas nações voltaram a se manifestar sobre o tema na última sexta-feira (11). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) destacou que o Brasil não pode “baixar a cabeça para ninguém”.
“Ninguém porá medo neste país com discurso e com bravata. Ninguém. E eu acho que, nesse aspecto, nós vamos ter o apoio do povo brasileiro, que não aceita nenhuma provocação”, disse Lula durante evento em Linhares (ES).
Enquanto isso, o chefe de Estado norte-americano fez seu primeiro discurso mais ameno. Durante uma entrevista, foi questionado se pretende conversar com Lula e respondeu que há possibilidade. "Talvez, em algum momento, eu possa falar com ele, mas não agora", afirmou Trump.
Nove jornais
O tamanho da repercussao internacional das ameças de Trump pôde ser medido na quinta-feira (10), quando Lula publicou um artigo em nove jornais ao redor do mundo: Le Monde (França), El País (Espanha), The Guardian (Reino Unido), Der Spiegel (Alemanha), Corriere della Sera (Itália), Yomiuri Shimbun (Japão), China Daily (China), Clarín (Argentina) e La Jornada (México).
No texto, o presidente brasileiro fez críticas contundentes às ameaças ao sistema multilateral de comércio por parte dos países mais fortes. “Tarifaços desorganizam cadeias de valor e lançam a economia mundial em uma espiral de preços altos e estagnação”, declarou Lula. “O ano de 2025 deveria ser um momento de celebração dedicado às oito décadas de existência da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas pode entrar para a história como o ano em que a ordem internacional construída a partir de 1945 desmoronou”, pontuou.
Na mesma data, Lula reafirmou que o Brics continuará discutindo mecanismos mais autônomos para impulsionar as relações comerciais. "Eu não sou obrigado a comprar dólar para fazer relação comercial com a Venezuela, com a Bolívia, com o Chile, com a Suécia, com a União Europeia, com a China. A gente pode fazer nas nossas moedas. Por que eu sou obrigado a ficar lastreado pelo dólar, que eu não controlo? Quem tem uma máquina de produzir dólar são os EUA, não nós", criticou Lula à TV Record.
Eduardo Bolsonaro
Ainda na cerimônia realizada no Espírito Santo, Lula afirmou que Jair Bolsonaro — réu no Supremo Tribunal Federal por supostamente articular uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022 — enviou seu filho, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-RJ), aos Estados Unidos para articular com Trump ameaças contra o Brasil.
"A coisa (Jair Bolsonaro) mandou o filho, que era deputado, se afastar da Câmara, pra ir lá para os Estados Unidos, ficar pedindo: 'Ô Trump, pelo amor de Deus, Trump, salva meu pai, não deixa meu pai ser preso'. É preciso criar vergonha na cara porque a coisa mais pequena na vida é a gente não ter caráter", declarou o chefe do Planalto.
Eduardo está licenciado do mandato desde 21 de março e atualmente reside nos EUA, onde, segundo ele, denuncia supostas violações de direitos humanos no Brasil. Como o prazo máximo para uso dessa prerrogativa é de 120 dias, o deputado tem até o fim de julho para retornar à Câmara dos Deputados.
Diante disso, o líder do Partido dos Trabalhadores na Casa, Lindbergh Farias (PT-RJ), entrou com pedido na última sexta-feira (11) ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, para que o magistrado decrete a prisão preventiva e o bloqueio dos bens de Eduardo. Na petição, Lindbergh alega “alta traição à pátria” e “ato típico de guerra híbrida”. Na análise do cientista político Elias Tavares, essa movimentação tem mais valor simbólico do que jurídico. “É uma tentativa de marcar o bolsonarismo como traidor dos interesses nacionais. No campo político, funciona bem para acirrar ânimos e deslocar a pauta”, afirmou.
Fôlego ao governo?
Diante da situação, a comunicação do governo federal suspendeu temporariamente a estratégia voltada à taxação dos super-ricos — pensada para melhorar a popularidade da gestão — e lançou um novo slogan: “Brasil soberano”. Para o cientista político Elias Tavares, toda a questão envolvendo a tarifa imposta pelos EUA acabou dando uma sobrevida política a Lula. Segundo ele, a mudança na narrativa é “uma tentativa clara de reconstruir protagonismo num momento em que a popularidade vinha em queda”.
“Essa virada pode, sim, dar um novo fôlego ao governo. Pode até ajudar a recuperar parte do legado político do presidente. É uma estratégia interessante, bem pensada. Agora, o ponto é saber o tamanho do impacto disso”, disse Tavares. “Eu ainda não consigo cravar se isso será suficiente para consolidar a reeleição de Lula ou se vai apenas estancar a sangria e melhorar um pouco os índices de aprovação. Vai depender de como a economia reage e de como a sociedade absorve esse novo discurso, especialmente se o agro e a indústria começarem a sentir o efeito real das tarifas”, pontuou à reportagem.