Um dia após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Partido Republicano), anunciar uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reafirmou que o governo federal adotará todas as medidas necessárias para proteger a população e as empresas nacionais.
Nesta quinta-feira (10), o Palácio do Planalto interrompeu temporariamente sua estratégia de comunicação voltada à taxação dos super-ricos — criada para melhorar a popularidade do governo — e lançou um novo slogan: “Brasil soberano”.
“O Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém”, afirmou Lula em publicação no Instagram.
A declaração reforça o posicionamento oficial já manifestado na noite de quarta-feira (9), quando o presidente respondeu às ameaças comerciais dos EUA. Lula afirmou que qualquer elevação tarifária unilateral será respondida com base na Lei de Reciprocidade Econômica, em vigor desde abril deste ano, e que teve como relatora no Senado a ex-ministra da Agricultura no governo Jair Bolsonaro, a senadora Tereza Cristina (PP-MS).
A legislação prevê que todas as vias diplomáticas devem ser esgotadas antes da adoção de medidas retaliatórias, que só devem ocorrer em último caso. Segundo fontes do Itamaraty ouvidas pelo Correio da Manhã, até o momento não há evolução no impasse que justifique a convocação de um novo encontro entre os representantes dos dois países.
Itamaraty
Ainda na quarta-feira, a embaixadora Maria Luisa Escorel, secretária de Europa e América do Norte do Ministério das Relações Exteriores, recebeu pela segunda vez Gabriel Escobar, encarregado de negócios da Embaixada dos EUA no Brasil (o país está sem embaixador). Convocado a prestar esclarecimentos, Escobar foi questionado sobre a legitimidade da carta enviada pela Casa Branca. Uma vez confirmada, Escorel afirmou que, naqueles termos, o governo brasileiro não receberia o documento e o devolveu.
Mais cedo, Escobar havia participado de outra reunião no Itamaraty, na qual recebeu o repúdio formal do governo brasileiro. A motivação inicial foi uma nota emitida pela Embaixada dos EUA em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado. A nota, alinhada à retórica de Trump, foi classificada pelo Itamaraty como uma “intromissão indevida e inaceitável” no Judiciário brasileiro.
“Preocupante”
Em entrevista ao Correio da Manhã, o professor Alexandre Pires, especialista em relações internacionais e economia do Ibmec São Paulo, avalia que o governo brasileiro enfrenta um cenário complexo, com pouco tempo para agir — até 1º de agosto. Ele destaca que a carta de Trump antecipa que, caso o Brasil retalie, a taxação escolhida será somada aos 50% já anunciados pelos EUA.
“Isso é extremamente preocupante, é como se o Brasil passasse por um processo de embargo. Praticamente o mercado norte-americano vai ficar fechado para vários produtos brasileiros, como o aço, suco de laranja, celulose, aviões, petróleo bruto, carne… E nós temos vários fornecedores internacionais para esses produtos que podem tomar o mercado americano”, afirmou.
Segundo Pires, a situação exige uma diplomacia bilateral extremamente eficaz — algo que, segundo ele, o Brasil tem tido dificuldade em implementar nas últimas quatro décadas. “As falas iniciais do governo brasileiro, na figura do presidente da República, foram fortes, um pouco numa linha de enfrentamento, mas ainda não são definitivas. Podemos esperar alguma inflexão até o final do mês, buscando ali pelo menos uma pausa do governo norte-americano para uma negociação mais intensa entre Brasil e Estados Unidos”, analisou.
Entenda
As tensões se intensificaram na segunda-feira (7), quando a Justiça da Flórida intimou o ministro do STF, Alexandre de Moraes, em uma ação movida pela Trump Media & Technology Group (TMTG) e pela plataforma de vídeos Rumble. Ambas foram multadas e banidas do mercado brasileiro por descumprirem ordens judiciais, e alegam sofrer tentativa de censura. No mesmo dia, Trump saiu em defesa pública de Bolsonaro. E, com os avanços do BRICS na criação de uma moeda alternativa ao dólar, o presidente norte-americano ameaçou, na terça-feira (8), impor uma nova tarifa adicional de 10% aos países-membros.
Na carta divulgada pela Casa Branca na quarta-feira (9), Trump argumenta que as relações comerciais com o Brasil têm sido “muito injustas” e critica barreiras tarifárias impostas por Brasília. O documento também menciona Bolsonaro e as decisões judiciais brasileiras direcionadas a plataformas digitais norte-americanas.
Em resposta, o governo brasileiro reiterou que não aceitará interferência estrangeira em suas decisões soberanas e prometeu agir com reciprocidade. Lula ainda contestou a narrativa de que os EUA seriam prejudicados na balança comercial com o Brasil. “As estatísticas do próprio governo dos Estados Unidos comprovam um superávit desse país no comércio de bens e serviços com o Brasil da ordem de 410 bilhões de dólares ao longo dos últimos 15 anos”, afirmou o presidente.