Dias após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) solicitar à Advocacia-Geral da União (AGU) uma análise sobre a legalidade do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que derrubou o aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o órgão enfim deu o retorno. Nesta terça-feira (1º), o ministro da AGU, Jorge Messias, protocolou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar restabelecer os efeitos do decreto.
Para Messias, a decisão do Congresso violou o princípio da separação de Poderes ao interferir em uma competência legítima do chefe do Executivo. Embora a ação tenha sido tomada a pedido de Lula, o ministro destacou que ela foi baseada em pareceres técnicos.
“Não é uma questão política, é uma questão jurídica. Se nós entendemos que um decreto que o presidente da República adota é constitucional e que ele, em nenhum centímetro, em nenhum milímetro, ultrapassou o poder de regulamentar que a legislação conferiu a ele, não haveria outra saída — em benefício da segurança jurídica que todos nós prezamos — senão levar o assunto ao STF”, afirmou o AGU em coletiva de imprensa.
No dia anterior, o ministro da Suprema Corte, Alexandre de Moraes, foi designado relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol). Na semana passada, a legenda já havia questionado o PDL que derrubou o aumento do IOF, alegando que a medida viola os limites da Constituição Federal. Segundo a sigla, o STF já reconheceu a inconstitucionalidade de decretos legislativos semelhantes em decisões anteriores.
Clima de tensão
A judicialização não foi bem recebida pelo Legislativo. Para o líder da Oposição na Câmara dos Deputados, Luciano Zucco (PL-RS), ao ingressar com a ADC, o governo “declara guerra ao Congresso Nacional”.
“Trata-se de mais uma tentativa autoritária do governo Lula de judicializar um tema eminentemente político, tentando impor pela força do Judiciário aquilo que perdeu no voto, de forma ampla e transparente, dentro da Casa do Povo”, afirmou Zucco em nota.
Na segunda-feira (30), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), já havia enviado um duro recado ao Palácio do Planalto, criticando o clima de polarização política. Ele defendeu a legitimidade da decisão do Congresso de barrar o aumento do IOF e refutou a acusação de ter agido de forma desleal com o Executivo ao pautar a sustação do tema sem aviso prévio.
"Quem alimenta o 'nós contra eles' acaba governando contra todos. A Câmara dos Deputados, com 383 votos de deputados de esquerda e de direita, decidiu derrubar um aumento de imposto que afeta toda a cadeia econômica. A polarização política tem cansado muita gente, e agora querem criar a polarização social", declarou Motta em postagem nas redes sociais.
Horas depois, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, elevou o tom e rebateu as críticas. Afirmou que os críticos poderiam “gritar”, mas que a atual gestão continuaria firme em seu compromisso com a justiça social. "Vamos continuar fazendo justiça social. Pode gritar, pode falar, vai chegar o momento de debate, mas temos que continuar fazendo justiça social e não podemos nos intimidar", disse o chefe da Pasta durante o lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar 2025/2026, em Brasília.
Com o aumento da tensão entre os poderes, persistia a incerteza sobre qual estratégia o governo adotaria: se assumiria diretamente a frente do embate jurídico ou se deixaria o protagonismo nas mãos do Psol, evitando, assim, ampliar o desgaste político em meio à disputa.
“Pouco provável”
Agora, caberá ao Supremo analisar as ações. Ao Correio da Manhã, a advogada Mayra Pereira, sócia do escritório Vieira e Marques Sociedade de Advogados, avaliou como “pouco provável” a possibilidade de o pedido da equipe econômica ser rejeitado pela Corte.
“Se o STF concordar com a argumentação do governo e considerar os decretos constitucionais, isso pode anular o Decreto Legislativo 176/25, que foi responsável por barrar os aumentos do IOF. Nesse cenário, a Corte reconheceria que o Congresso foi além de suas funções. Por outro lado, se o Supremo rejeitar o pedido do governo que, é pouco provável, isso significaria que os decretos que elevaram o IOF são inconstitucionais e, portanto, sem validade”, explicou Pereira.
Meta fiscal
Pouco antes da manifestação da AGU, Haddad destacou que o IOF é essencial para garantir o equilíbrio das contas públicas em 2026. De acordo com as estimativas da Fazenda, a arrecadação sofrerá uma perda de aproximadamente R$ 10 bilhões neste ano e mais de R$ 20 bilhões no seguinte. O ministro também negou a intenção de modificar a meta fiscal de 2025, lembrando que, mesmo com a prorrogação de desonerações indesejadas pelo Executivo, a meta fiscal de 2024 foi cumprida.
“Não somos o governo Jair Bolsonaro (PL) a quem tudo foi permitido para ganhar a eleição. Não funciona assim conosco. Temos responsabilidade. O presidente Lula sabe da importância de fazer as coisas certas. Lula é o presidente da responsabilidade fiscal. Não tem outro campeão de responsabilidade fiscal”, declarou o chefe da equipe econômica.