Por: Karoline Cavalcante

Haddad cogita ir ao STF contra derrubada do IOF

Haddad diz não entender o que mudou na relação com Motta | Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

A recente derrota do governo federal em relação ao Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pode acirrar ainda mais as tensões entre os poderes. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou na quinta-feira (26) que a equipe econômica está avaliando a possibilidade de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a derrubada da alternativa, alegando inconstitucionalidade.

Além disso, ele indicou duas outras estratégias que estão sendo consideradas para compensar a perda de receita: buscar novas fontes de arrecadação ou implementar cortes orçamentários com impacto abrangente. A declaração foi dada durante participação no videocast C-Level Entrevista, do jornal Folha de S. Paulo.

“Na opinião dos juristas do governo, que tiveram muitas vitórias nos tribunais, [a decisão do Congresso] é flagrantemente inconstitucional. Sendo uma prerrogativa legal, nem nós devemos nos ofender quando um veto é derrubado e nem o Congresso pode se ofender quando uma medida é considerada pelo Executivo incoerente com o texto constitucional”, defendeu Haddad.

O ministro mostrou-se visivelmente surpreso com a reviravolta no Congresso em torno do decreto que apresentava alternativas para evitar um corte maior no orçamento para cumprir a meta fiscal. Haddad comentou sobre sua reunião com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), no dia 8 de junho, quando acreditou ter chegado a um acordo para ajustar as alíquotas do imposto. “Saí de lá imaginando que estava tudo bem. Não só eu, todo mundo. Eu não sei o que mudou. O que mudou daquele domingo para hoje?”, questionou.

Judicialização

A possível judicialização gerou reações de parlamentares da oposição, que usaram as redes sociais para criticar a hipótese.

Para o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), caso o governo recorra ao STF, isso evidenciará uma tentativa de enfraquecer o Congresso Nacional “Não há democracia verdadeira sem respeito ao Parlamento, que representa a voz legítima do povo e garante a pluralidade de opiniões. Ignorar essa instituição é negar a essência do Estado Democrático de Direito e ameaçar o próprio futuro da República”, afirmou Cavalcante.

AGU

Poucas horas após a declaração do chefe da Fazenda, a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu uma nota esclarecendo que não houve uma decisão final sobre o tema.

“Todas as questões jurídicas serão abordadas tecnicamente pela AGU, após oitiva da equipe econômica. A comunicação sobre os eventuais desdobramentos jurídicos do caso será feita exclusivamente pelo próprio advogado-geral [Jorge Messias], no momento apropriado”, diz o posicionamento.

Derrubada

Apesar das tentativas do Executivo de alcançar um consenso, as duas Casas do Congresso Nacional derrubaram, na quarta-feira (25), a alternativa ao IOF. A Câmara aprovou a medida com 383 votos a favor e 98 contrários, em votação nominal, enquanto no Senado a aprovação foi simbólica, com exceção de nove senadores do Partido dos Trabalhadores (PT) e do líder do PDT, Weverton Rocha (MA), que se opuseram. No dia 16 de junho, a Câmara já havia aprovado o requerimento de urgência para acelerar a tramitação do projeto.

Para tentar garantir o apoio necessário, a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) liberou R$ 831 milhões adicionais para o pagamento de emendas parlamentares no dia da votação, mas isso não impediu sua derrota política. Segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), o governo destinou mais de R$ 1 bilhão para emendas na quarta-feira, o que representa um aumento em relação aos R$ 897 milhões reservados no dia anterior.

Crise de imagem

Ao Correio da Manhã, o cientista político Elias Tavares avaliou que a derrota do governo não foi apenas simbólica, mas expôs a fragilidade da articulação do Palácio do Planalto e a crescente autonomia — ou até hostilidade — do Congresso Nacional em relação ao Executivo. Ele também destacou que, embora um recurso ao STF possa ter respaldo técnico, politicamente essa decisão pode aprofundar o desgaste institucional “e alimentar a narrativa de um governo que atua via judicialização, e não por base política sólida”

Em uma tentativa de minar a crise de popularidade, o governo analisa a possibilidade de tirar proveito político ao sugerir que o Legislativo está defendendo os mais ricos, por meio de pautas como o aumento da isenção do Imposto de Renda, o fim da escala seis por um e o combate aos supersalários no serviço público.

Para Tavares, essa estratégia de se reconectar com o sentimento popular é legítima e inteligente do ponto de vista da comunicação política, mas ainda carece de força prática.

“Se o governo não conseguir fazer essas pautas avançarem minimamente, corre o risco de parecer apenas reativo, um governo que denuncia, mas não entrega. E em ano pré-eleitoral, isso pode ser fatal”, afirmou o especialista.

“Se Lula quiser manter viabilidade eleitoral em 2026, precisará mostrar que ainda tem algum controle sobre a agenda nacional. Até aqui, quem dita o ritmo é o Legislativo”, concluiu, em entrevista à reportagem.