Por: Karoline Cavalcante

Congresso derruba alternativa de Lula para o IOF

Oposição comemora, no plenário da Câmara dos Deputados, a derrota imposta ao governo | Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Em uma das suas piores derrotas, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), viu no mesmo dia a Câmara e o Senado aprovarem o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que suspende a proposta da equipe econômica para compensar o aumento de alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A Câmara aprovou o PDL com 383 votos favoráveis e 98 contrários. No Senado, nem votação houve: o projeto foi aprovado em votação simbólica. Apenas os nove senadores do Partido dos Trabalhadores votaram contra a medida. Por se tratar de um PDL, o texto não depende de sanção presidencial e será promulgado diretamente pelo Congresso Nacional.

A decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), de pautar a votação ainda nesta quarta-feira surpreendeu o Palácio do Planalto, que contava com mais tempo para negociação. A pauta do dia foi publicada por Motta às 23h35 de terça-feira (24) por meio de sua rede social X (antigo Twitter). A declaração gerou um movimento rápido do governo federal, que às pressas convocou para a manhã seguinte uma reunião para discutir o tema. O encontro foi comandado pela ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, e contou também com a presença dos líderes do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), e do líder do Partido dos Trabalhadores, Lindbergh Farias (RJ).

Segundo Hoffmann, o novo decreto do IOF se fazia necessário para a execução do Orçamento de acordo com o arcabouço fiscal aprovado. “A derrubada dessa medida exigirá novos bloqueios e contingenciamentos no Orçamento, prejudicando programas sociais e investimentos importantes para o país, afetando inclusive a execução das emendas parlamentares”, explicou a ministra.

“Provocação infantil”

Por volta das 12h, Hugo Motta anunciou o deputado Coronel Chrisóstomo (PL-RO) como relator do projeto, o que não foi bem recebido pelo Executivo. Chrisóstomo foi, inclusive, um dos articuladores da coleta de assinaturas para implementar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), assunto também sensível para a atual gestão. Para Lindbergh, a escolha foi uma “provocação infantil” contra o governo federal. "Designar como relator um bolsonarista histriônico chega a parecer uma provocação infantil. Não existe espaço de diálogo algum", declarou.

Além disso, o líder petista considerou que a decisão de pautar a votação para uma semana esvaziada foi um "grave erro" — em razão do São João, muitos parlamentares se afastam de Brasília. "A votação será por sessão virtual, e os deputados não estão aqui para analisar um tema dessa importância", prosseguiu Farias.

Haddad

Ainda nesta quarta-feira, em evento promovido pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o presidente Lula voltou a defender o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, destacando a seriedade do trabalho dele à frente da equipe econômica. "Gente, tem uma hora que temos que deixar nossos interesses individuais de lado e pensar um pouco neste país. Vocês sabem da seriedade com que o Haddad trata a economia. Vocês sabem que nós estamos há quase três anos tentando consertar a economia. Primeiro, foi a PEC da Transição. Depois, foi o arcabouço fiscal", afirmou o chefe do Executivo.

No entanto, o líder do Partido Liberal na Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), avaliou que a votação oficial da medida poderia ter ocorrido na semana passada, quando foi aprovada a urgência do PDL, o que não ocorreu para que o governo tivesse tempo para agir. "Nós estamos diante de um governo inerte, um governo que não reage, um governo analógico, que não deu nenhum tipo de resposta desde a votação da urgência”, declarou em coletiva à imprensa.

Até o início da semana, o governo acreditava que teria mais tempo para negociar a medida. Nos bastidores, avalia-se que uma entrevista de Fernando Haddad à TV Record — na qual o ministro criticou o projeto que amplia o número de deputados, aprovado pelo Senado nesta quarta-feira (25) — tenha desagradado o deputado Hugo Motta. Como reação, ele surpreendeu a atual gestão ao incluir, já tarde da noite, o PDL contra o IOF na pauta do plenário.

Sem consenso

Na última segunda-feira (16), a Câmara aprovou, por ampla maioria — 346 votos favoráveis e 97 contrários — o requerimento de urgência para a tramitação acelerada do projeto. A expectativa era de que as negociações sobre o tema fossem retomadas. Contudo, diante das resistências no Legislativo, Haddad optou por tirar uma semana de férias até o dia 22 de junho. Durante a folga do ministro, inclusive, o presidente da República chegou a indicar que não recuaria na proposta.

Com esse novo pacote, o governo Lula estimava arrecadar R$ 10,5 bilhões em 2025 e R$ 20,6 bilhões em 2026 — praticamente a metade dos valores projetados anteriormente com o decreto inicial: R$ 20,5 bilhões e R$ 41 bilhões, respectivamente.

Os críticos da medida concentram-se nos cortes escolhidos para fechar as contas. Para eles, o governo deveria reduzir os gastos primários, em vez de buscar compensações via aumento de tributos em outros setores.

No dia 22 de maio, além de congelar R$ 31,3 bilhões do Orçamento, a equipe econômica anunciou a padronização das alíquotas do IOF em 3,5%. A reação mais forte, no entanto, veio da tentativa de tributar investimentos de fundos nacionais no exterior — até então isentos. A proposta desagradou o mercado financeiro e, diante da pressão, a Fazenda recuou rapidamente.

Ainda assim, a crise não foi contida. Em 29 de maio, os presidentes da Câmara e do Senado cobraram do governo uma nova proposta em até dez dias. A resposta veio em 11 de junho, com mudanças formalizadas por decreto e pela Medida Provisória 1.303/2025. Mas nem a reformulação garantiu apoio suficiente à aprovação.

Entenda a alternativa

Entre as medidas que foram propostas, estava a criação de uma alíquota de 5% no Imposto de Renda para aplicações até então isentas, como a Letra de Crédito Imobiliário (LCI), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e debêntures incentivados a partir de 2026. Para os demais títulos, que já eram tributados conforme uma tabela progressiva de 15% a 22,5% do Imposto de Renda (IR), o governo propôs uma alíquota única de 17,5%. A mesma taxa se aplicaria aos rendimentos com criptoativos.

A alternativa também aumentava a taxação sobre as empresas de apostas esportivas, as chamadas “bets”, com a alíquota passando de 12% para 18% a partir de outubro de 2025. Por outro lado, o texto previa alívios pontuais. A cobrança sobre o crédito à pessoa jurídica cairia de 0,95% para 0,38%. Já as operações de “risco sacado” deixariam de pagar uma alíquota fixa, passando a ser tributadas apenas por uma taxa diária de 0,0082% — uma redução de até 80%.

Na previdência privada, o IOF sobre aportes em Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) só passaria a incidir, a partir de 2026, sobre valores acima de R$ 600 mil. Segundo a Fazenda, a mudança manteria a isenção para mais de 99% dos contribuintes.

A MP também alterava a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) cobrada de instituições financeiras, extinguindo a alíquota mínima de 9% e mantendo apenas as faixas de 15% e 20%. No campo das despesas, a proposta previa a inclusão do programa Pé-de-Meia no piso constitucional da educação e limitava a concessão do auxílio-doença por Atestmed a 30 dias sem perícia médica — atualmente, o benefício pode ser concedido por até 180 dias.