Após as defesas dos réus no julgamento que investiga a tentativa de golpe de Estado apontarem contradições nos depoimentos, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou, nesta terça-feira (24), duas acareações — procedimento judicial que visa confrontar as divergências nos relatos apresentados pelas partes envolvidas. Sob a condução do relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, o ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o tenente-coronel Mauro Cid — delator no processo —, e o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil general Walter Braga Netto, que foi candidato a vice-presidente na chapa derrotada de Bolsonaro em 2022, reafirmaram suas versões dos fatos. Como não foi liberada a transmissão, as atas foram registradas por escrito.
Ao deixar o tribunal, o advogado José Luis Oliveira Lima comentou com jornalistas que seu cliente, Braga Netto, chamou o tenente-coronel de “mentiroso” por duas vezes, destacando que o delator não “retrucou” quando teve a oportunidade de fazer. Porém, em entrevista à Folha de São Paulo, o advogado Cezar Bittencourt, defensor de Cid, negou que tenha ocorrido qualquer atrito. "Aquilo não é uma brincadeira. Apenas o juiz, o procurador e os advogados podem questionar os dois réus", afirmou Bittencourt, acrescentando que, caso o ataque realmente tivesse ocorrido, o general "ia apanhar ali".
Divergências
A acareação foi solicitada pela defesa de Braga Netto, que apontou duas divergências principais nas declarações de ambos. A primeira se refere à delação premiada do ex-ajudante de ordens, na qual ele detalhou um plano para manter Bolsonaro no poder, incluindo a alegação de que o ex-ministro teria entregue R$ 100 mil, disfarçados em uma sacola de vinho, para financiar a operação golpista. A segunda envolve a chamada "Operação Punhal Verde e Amarelo", na qual Mauro Cid afirmou que o ex-chefe da Casa Civil teria participado de discussões no dia 12 de novembro daquele ano sobre um plano para assassinar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes.
No entanto, o ex-candidato ao Palácio do Jaburu nega as acusações. Ele está preso preventivamente em uma unidade militar no Rio de Janeiro desde dezembro do ano passado, acusado de obstruir a investigação e tentar obter informações sobre a delação de Cid. Braga Netto compareceu a Brasília com tornozeleira eletrônica, mas precisou retornar à capital fluminense em seguida.
Acareações
Ainda nesta terça-feira (24), também foram colocados frente a frente o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-comandante do Exército general Freire Gomes. Ambos confirmaram a veracidade de seus depoimentos. Neste caso, foi Torres — também réu no processo — quem solicitou o procedimento, visando esclarecer pontos controversos no depoimento de Gomes, que, embora não seja investigado, atua como testemunha. O ex-comandante do Exército afirmou que Torres teria participado de reuniões nas quais se discutiram medidas como a decretação de um estado de exceção, algo que o ex-ministro nega.
Nas acareações, assim como nos interrogatórios, o réu não tem o compromisso de dizer a verdade para não se incriminar, mas a testemunha tem esse dever. A primeira acareação durou cerca de uma hora e trinta minutos e a segunda, pouco mais de uma hora. Ambos os procedimentos ocorreram na sala de audiências da Suprema Corte e contaram também com a presença do ministro Luiz Fux e do procurador-geral da República, Paulo Gonet. Na última segunda-feira (23), o relator do caso permitiu a participação das defesas dos corréus, atendendo a um pedido do advogado Celso Vilardi, representante do ex-presidente Bolsonaro. Em coletiva na saída, Vilardi classificou o encontro como “ótimo”, mas lamentou a falta de transmissão ao vivo, como ocorreu nos interrogatórios anteriores.
“Eu acho curioso o fato de ter um investigado preso e uma prova de que o delator procurou por terceiras pessoas e revelou a delação, e não ter acontecido até agora nada. Mas esperamos que ele vá ter aí um julgamento pelo STF”, afirmou Vilardi, referindo-se ao uso de um perfil falso nas redes sociais por Cid, conforme revelado pela revista Veja no início do mês. O advogado também sugeriu que, devido a esse episódio, a delação poderia ser anulada, o que beneficiaria seu cliente.