Inquérito da Polícia Federal revelou novos detalhes sobre o uso político da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). O documento, que envolve uma investigação sobre um esquema de espionagem ilegal, destaca a possível participação do ex-presidente no núcleo central de uma organização criminosa responsável por condutas ilícitas dentro do orgão. O relatório foi tornado público na quarta-feira (18), após decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
A PF aponta que esse grupo não apenas coordenava as diretrizes estratégicas da organização, mas também se beneficiava politicamente das ações clandestinas realizadas. A principal função seria a de definir alvos de operações secretas, que incluíam opositores, instituições públicas e até mesmo o sistema eleitoral. Esses alvos foram monitorados com o objetivo de garantir vantagens financeiras e políticas, como a manutenção no poder e ataques a adversários.
Núcleo político
Entre os principais membros desse núcleo, além do ex-chefe do Executivo, estão seu filho, o vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro (PL), o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) — que à época comandava o órgão. O relatório, que possui 1.125 páginas, também menciona outros nomes, como o atual diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, além de diversos servidores da própria agência.
“Jair Messias Bolsonaro figura como o principal destinatário do produto das ações clandestinas e da instrumentalização da Abin”, diz trecho.
As apurações revelaram, ainda, que a estrutura clandestina implementada também realizou a disseminação de desinformação com o objetivo de enfraquecer o sistema eleitoral brasileiro. "Esta estrutura utilizou-se dos recursos da agência para atender interesses particulares de ordem política, incluindo ações destinadas a influenciar o resultado das eleições presidenciais de 2022", afirmou a corporação.
O parecer foi concluído e enviado sob sigilo à Suprema Corte na terça-feira (17). Nele, foram indiciadas mais de 30 pessoas. Apesar de ser apontado como personagem central, Bolsonaro não foi indiciado, porque ele já responde criminalmente no STF na ação penal sobre tentativa de golpe, e essa denúncia também menciona o uso paralelo da Abin. O mesmo serve para Ramagem.
First Mile
A investigação teve início com a apuração do uso de um software israelense de monitoramento chamado “First Mile”, que foi adquirido em 2018 por cerca de R$ 5,7 milhões. Inicialmente, com o objetivo de ajudar durante operações de vigilância em áreas de alta violência no Rio de Janeiro.
No entanto, entre 2019 e 2021, a Abin teria realizado mais de 60 mil consultas ilegais, rastreando a localização de celulares de figuras públicas, como ministros do STF, jornalistas e opositores do então governo. As operações, realizadas de forma clandestina, ocorreram especialmente em períodos eleitorais, com maior concentração de atividades em outubro de 2020. O uso da ferramenta, sem amparo legal, foi descrito pela Polícia Federal como violação de direitos constitucionais, como o sigilo de comunicações.
Marcelo Câmara
Também na quarta-feira, Moraes determinou a prisão preventiva do coronel do Exército Marcelo Costa Câmara, ex-assessor de Jair Bolsonaro, por descumprir as determinações do processo sobre a trama golpista, ao qual também é réu na Suprema Corte. O motivo seria uma conversa entre o advogado de Câmara, Eduardo Kuntz, e Mauro Cid — delator do caso e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro — em busca de informações sigilosas sobre o acordo de colaboração premiada.
Na decisão, Moraes considerou o contato “gravíssimo”. Segundo ele, houve um desrespeito das medidas cautelares ao manter contatos proibidos e a utilização de redes sociais. Segundo a PF, o ex-assessor ficará preso nas instalações do Batalhão de Polícia do Exército, em Brasília.