Por: Karoline Cavalcante

Polícia Federal indicia diretor-geral sobre 'Abin paralela'

PF afirma que Bolsonaro se beneficiava da Abin paralela, comandada por Ramagem | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

A Polícia Federal concluiu e encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (17), o inquérito que apura a existência de uma estrutura paralela de espionagem ilegal operando dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. O inquérito está sob sigilo, mas as informações apuradas, não oficiais, indicam o indiciamento de 35 pessoas, incluindo membros da atual administração da agência, como o diretor-geral Luiz Fernando Corrêa e o vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do ex-gestor.

De acordo com as informações apuradas, o relatório apontaria para as responsabilidades do ex-presidente Jair Bolsonaro e do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) — que à época comandava a Abin. Como, porém, eles já estão incluídos como réu na ação penal sobre golpe de Estado, que também menciona a existência da “Abin paralela”, não teriam sido indiciados novamente agora.

Segundo as investigações, agentes da Abin, em parceria com policiais federais cedidos ao órgão, formaram uma organização criminosa com o objetivo de promover monitoramentos ilegais de autoridades públicas. As ferramentas tecnológicas utilizadas também teriam servido para a disseminação de informações falsas durante o processo eleitoral.

Entre os alvos do esquema de vigilância estão ministros do STF — Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux —, além de políticos, como o ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), os senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Randolfe Rodrigues (PT-AP), Alessandro Vieira (MDB-SE). Alguns jornalistas, inclusive, foram observados. Os sistemas também teriam sido empregados para a criação e propagação de notícias falsas sobre o processo eleitoral brasileiro.

Investigação

A investigação teve início em outubro de 2023, com o lançamento da Operação Última Milha, que expôs o uso extensivo de um sistema de espionagem desenvolvido por uma empresa israelense. Batizada em alusão ao software FirstMile, a operação revelou que a ferramenta, voltada para rastreamento de celulares, foi acionada cerca de 60 mil vezes pela Abin entre 2019 e 2023 — sendo o auge de sua utilização registrado em 2020, ano marcado pelas eleições municipais.

Um dos episódios levantados pela PF envolve uma suposta operação para obtenção de informações sigilosas de autoridades paraguaias, diretamente relacionadas às negociações das tarifas de fornecimento de energia da Usina Hidrelétrica de Itaipu — historicamente, o Brasil compra do Paraguai parte da energia gerada na usina. Se confirmada, a ação ocorreu fora dos trâmites legais de cooperação internacional.

“Motivação política”

Em resposta ao caso, o deputado Ramagem criticou a investigação, classificando-a como uma “criatividade endereçada à imprensa” que, segundo ele, desestabiliza a inteligência de Estado. Já Carlos Bolsonaro afirmou que o indiciamento tem motivação política: “Alguém tinha alguma dúvida que a PF do Lula faria isso comigo? Justificativa? Creio que os senhores já sabem: eleições em 2026? Acho que não! É só coincidência!”, escreveu o vereador na plataforma X (antigo Twitter). O Correio da Manhã tentou contato com a Abin, mas sem sucesso.

Com o encerramento da fase policial, o inquérito foi encaminhado ao ministro relator no STF, que o enviará à Procuradoria-Geral da República (PGR). O Ministério Público terá 15 dias para decidir sobre os próximos passos: pode apresentar denúncia formal, solicitar diligências complementares, sugerir acordos judiciais ou arquivar o caso, caso não identifique elementos suficientes para uma acusação.

Acareação

Bolsonaro e Ramagem são réus no STF na Ação Penal (AP) 2668, que apura uma suposta tentativa de golpe de Estado em 2022. Ambos, juntamente a outros oito, integram o “Núcleo Crucial” do caso. Com a fase dos interrogatórios deste grupo finalizada, o ministro Alexandre de Moraes, que relata o processo, marcou duas acareações para a manhã da próxima terça-feira (24) — Este procedimento busca confrontar as pessoas envolvidas sobre os depoimentos divergentes apresentados, com o objetivo de apurar a verdade.

A primeira será entre os réus tenente-coronel Mauro Cid e general Walter Braga Netto, e a segunda entre o réu e ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, e o ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, que é testemunha na ação.