No segundo dia de depoimentos, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) terminou de ouvir todos os oito réus do “núcleo crucial” do plano de tentativa de golpe de Estado, nesta terça-feira (10). Foram interrogados o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL); o ex-ministro da Justiça Anderson Gomes; o ex-comandante da Marinha almirante Almir Garnier; o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) general Augusto Heleno; o ex-ministro da Defesa general Paulo Sérgio Nogueira; e o ex-ministro da Casa Civil, general da reserva Walter Braga Netto. Eles foram interrogados pelo ministro-relator Alexandre de Moraes, o ministro do STF Luiz Fux e o procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, além dos advogados de defesa dos réus. Ao encerrar os interrogatórios, Moraes revogou a proibição dos reús de manterem contato entre si.
O general Augusto Heleno usou de seu direito a permanecer em silêncio e respondeu apenas aos questionamentos de seu advogado Matheus Milanez. O advogado questionou se o cliente coordenou ou orientou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para que a agência produzisse relatórios e documentos com informações falsas sobre a eleição de 2022. “De maneira nenhuma. Não havia clima. O clima da Abin era muito bom”, respondeu Heleno. Ele posteriormente foi repreendido por sua defesa, que disse que ele deveria ter respondido apenas “sim” ou “não”.
Desabafo
Durante seu depoimento, o ex-presidente Jair Bolsonaro confirmou que não conferiu informações ou dados em diversas declarações que fez durante reuniões – dentre elas, de que os ministros do Supremo teriam recebido dinheiro para fraudar as urnas. A reunião foi gravada pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro tenente-coronel Mauro Cid, sem o conhecimento de Bolsonaro, e o vídeo foi encontrado pela Polícia Federal (PF) após as autoridades apreenderem os aparelhos eletrônicos de Cid. O ex-presidente da República se desculpou pelas falas, alegando que não tinha conhecimento de que a reunião estava sendo gravada e reforçou que o que disse foi um “desabafo” durante o período eleitoral.
“Não tem indício nenhum [das informações de que os ministros recebiam dinheiro para defender as urnas], senhor ministro. Tanto é que era uma reunião para não ser gravada. Um desabafo, uma retórica que eu usei. Se fossem outros três ocupando teria falado a mesma coisa. Então, me desculpe, não tinha qualquer intenção de acusar de qualquer desvio de conduta os senhores”, afirmou Bolsonaro.
Comandantes
Na mesma linha, ele confirmou que agendou o encontro com os comandantes das Forças Armadas para discutir sobre a possibilidade de instaurar Estado de Sítio como alternativa de recurso para os resultados das eleições de 2022. Porém, ele reiterou que convidou comandantes militares por questões de proximidade. “Temos a mesma formação. E o militar, nas horas boas e ruins, está contigo. Eu não tinha clima para convidar ninguém para discutir qualquer assunto. Sobrou eles, até como um desabafo. Eu confesso que, muitas coisas que eles falaram, eu absorvi e vi que não tinha mais o que fazer”, completou.
Ele ainda negou ter recebido voz de prisão de qualquer autoridade das Forças Armadas, alegando que o depoimento do brigadeiro Baptista Júnior não condiz com a verdade.
Questionado por Paulo Gonet, o ex-presidente da República ponderou que, apesar das desavenças pessoais com o atual presidente da Suprema Corte, ministro Luís Roberto Barroso, as declarações não tinham a intenção de escalar para planos contra o poder Judiciário. “O senhor deve conhecer o meu temperamento dentro do Congresso, um pouco explosivo, eu errei”, disse.
Hacker
Questionado por Moraes, Bolsonaro confirmou que recebeu a deputada licenciada Carla Zambelli (PL-SP) e o hacker de Araraquara Walter Delgatti no Palácio da Alvorada. No encontro, a parlamentar afirmou que o hacker era capaz de invadir as urnas eletrônicas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e verificar a veracidade e confiabilidade do sistema eleitoral eletrônico. Porém, Bolsonaro disse que “não sentiu firmeza” em Delgatti e não teve mais contato com ele.
“Eu recebi [Delgatti e Zambelli]. Não entendo nada de informática, não senti confiança nele, encaminhei para a Comissão de Transparência Eleitoral e nunca mais tive contato”, disse Bolsonaro. Ele ainda confirmou que o processou pelo crime de calúnia.
No depoimento de Paulo Sérgio Nogueira, que depôs logo após Bolsonaro, ele confirmou que Delgatti foi ao Ministério da Defesa, mas desistiu do encontro ao saber quem era e destacou que o hacker “não saiu da sala de visitas” do ministério.
Minuta
Paulo Sérgio Nogueira defendeu que “nunca tratou de minuta de golpe”. “Eu concluí que era um texto encaminhado a Braga Netto e supostamente endereçado a mim”, ele afirmou.
Sobre a minuta, encontrada pela primeira vez na casa de Anderson Torres, o réu reforçou que pretendia destruir o documento. “Na verdade, ministro, eu brinquei, não é a minuta do golpe, é a minuta do Google, porque está no Google até hoje”, brincou o ex-ministro da Justiça.
“Eu realmente nem me lembrava dessa minuta, fui ver isso quando foi apreendido pela Polícia Federal, foi uma surpresa", ele destacou, alegando que o documento tinha erros de português e de concordância – de forma a tentar descredibilizar a minuta.