Por: Gabriela Gallo

Bolsonaro sabia e alterou minuta de golpe, confirmou Cid em depoimento

À frente de Bolsonaro e dos demais réus, Cid depõe | Foto: Ton Molina/STF

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a ouvir os interrogatórios dos oito réus do núcleo principal de tentativa de golpe de Estado. Nesta segunda-feira (9), o ministro-relator do caso Alexandre de Moraes, o ministro Luiz Fux (os demais ministros da Primeira Turma não estavam presentes) e o procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, ouviram o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro tenente-coronel Mauro Cid e o deputado federal e ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem (PL-RJ).

As sessões de depoimentos dos acusados seguem ao longo desta semana. As sessões na Corte para ouvir os demais réus estão agendadas para as 9h nesta terça-feira (10), quinta-feira (12) e sexta (13). Na quarta-feira (11), a sessão começará às 8h. O próximo a se defender é o ex-comandante da Marinha Almir Garnier.

Minuta

Os ministros ouviram primeiro o depoimento de Mauro Cid porque ele foi o delator do caso – ele firmou um acordo de colaboração premiada. Em seu depoimento, ele confirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teve acesso à minuta do golpe – documento elaborado que implementava Estado de Sítio e prisão de autoridades para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva e garantir a permanência de Bolsonaro ao poder.

“O documento consistia em duas partes. A primeira parte eram os considerandos. Dez, onze, doze páginas, muito robusto. Esses considerandos listavam as possíveis interferências do STF e TSE [Tribunal Superior Eleitoral] no governo Bolsonaro e nas eleições. Na segunda parte, entrava em uma área mais jurídica, estado de defesa, estado de sítio e prisão de autoridades”, detalhou Cid.

O ex-presidente leu o documento e fez algumas alterações: “Ele [Bolsonaro], de certa forma, enxugou o documento. Basicamente, retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor [Alexandre de Moraes] ficaria como preso”, afirmou Cid. Na época da elaboração do documento, Moraes era presidente do TSE.

“Mesa de bar”

Em diversos momentos de seu depoimento, o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro tentou aliviar as situações, alegando que em diversas conversas encontradas em seus aparelhos eletrônicos apreendidos “não houve um caráter formal”. Com isso, ele citou mais de uma vez que, por terem pessoas conservadoras e radicais, eram como se fossem “amigos discutindo em uma mesa de bar”.

“Independentemente do que possivelmente os militares pudessem falar, não significaria o que eles iriam fazer. Dentro do círculo de legalidade das Forças Armadas dificilmente, sem uma ordem do comandante, esse círculo de legalidade seria rompido”, reiterou Cid.

Urnas

Mauro Cid ainda pontuou que Jair Bolsonaro “sempre buscou” alguma irregularidade no sistema das urnas eletrônicas. "A grande preocupação do presidente, no meu ponto de vista, sempre foi encontrar uma fraude nas urnas, coisa que sempre foi muito ostensivo dentro da opinião do presidente”, ele disse.

O réu também informou que o ex-presidente pressionou o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira a elaborar o documento das Forças Armadas que questionava a credibilidade das urnas eletrônicas. Ele ainda detalhou que o texto final apresentado foi um “meio termo” entre o documento técnico inicialmente elaborado por Paulo Sérgio (que confirmava que não foram encontradas irregularidades nas urnas), com o documento político que Bolsonaro pediu (que questiona, apesar disso, o sistema eleitoral).

Questionado sobre os acampamentos em frente aos Quartéis Generais (QG) do Exército, o ex-ajudante de ordens disse que tinha um “entendimento de que as forças armadas tinham que apoiar os manifestantes em frente aos quarteis”. “Foi uma dedução baseado no contexto em que estávamos vivendo e presenciando. De não desmobilização e que as Forças Armadas apoiassem, de certa forma, os manifestantes que ali estavam, que foi o que as Forças Armadas fizeram, não apoiaram o que eles pediam, mas mantiveram (os manifestantes em frente aos quartéis) em segurança”, ele completou.

Ramagem

Após o depoimento de Mauro Cid, em seguida, na mesma sessão, seguiu o deputado federal e ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Em seu depoimento, ele acusou os delegados da Polícia Federal (PF) de omitirem parte de seu depoimento, o que influenciou diretamente sua incriminação. Com isso, ele alega que será capaz de provar sua inocência, mas ainda não há previsão de que isso aconteça.

Ele negou ter encaminhado documentos a Bolsonaro para que reforçasse durante suas lives semanais os questionamentos contra as urnas eletrônicas. Foram encontrados dois documentos nos aparelhos eletrônicos do parlamentar que foram usados como prova, mas Ramagem disse que se tratam de “documentos privados”, que ele não compartilhou com ninguém.

Questionado, Ramagem negou que a Abin tenha realizado monitoramentos de autoridades políticas, no que se batizou de “Abin Paralela”. Segundo ele, a Abin encerrou o contrato para usar o sistema First Mile, de monitoramento, em 2021.