Por: Gabriela Gallo

Macron admite que acordo UE-Mercosul, se forem cumpridas condições

Macron quer de Lula garantias de competitividade na agricultura | Foto: Ricardo Stuckert/PR

Durante viagem do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à França, o presidente francês Emmanuel Macron pela primeira vez admitiu estar aberto para firmar o acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul (Mercado Comum do Sul, bloco econômico formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), desde que sejam cumpridas exigências europeias, especialmente no ramo da agricultura. Na verdade, essas exigências são muito mais francesas mesmo, e têm impedido a assinatura do acordo.

Em entrevista à Globonews, nesta sexta-feira (6), Macron destacou que o acordo entre os grupos, que já tem 20 anos, é “antigo e, portanto, foi mal negociado porque os temas são antigos”. Ele ainda reforçou que o principal embate é “o tema da agricultura e dos diferentes padrões”.

“Dissemos a eles [agricultores franceses]: ‘vocês não podem mais usar tal produto para produzir porque não é bom para o clima, para a biodiversidade ou para a saúde humana’. Se vocês querem produzir no Mercosul e exportar para a Europa, isso deve ser feito sob as mesmas regras”, declarou o presidente da França. “O que pedimos é que haja cláusulas espelho para esses agricultores. Isso não é forma de protecionismo, é justiça e coerência”, ele completou.

Competição

Para além das cláusulas espelho, Emmanuel Macron também solicitou “cláusulas de vanguarda”, que protegeriam agricultores de determinados setores caso o comércio acabe "desregulamentando repentinamente o mercado".

Em declaração à imprensa local, na última quinta-feira (5), Macron já tinha reiterado as diferenças entre as exigências para os agricultores europeus dos sulamericanos. “Proibimos os nossos agricultores de utilizarem agrotóxicos, por exemplo, para respeitar mais o meio ambiente. Mas os países do Mercosul não estão no mesmo nível de regulamentação. Há uma discrepância. Não é uma discrepância de competitividade, de qualidade, mas na regulamentação”, disse o chefe de Estado francês.

De qualquer modo, o aceno de Macron no sentido de assinar o acordo, desde que revistos alguns pontos e aceitas as exigências, é um avanço.

Mercado

Ao Correio da Manhã, o internacionalista e pesquisador da Universidade de Helsinque, na Finlândia, Kleber Carrilho reforçou que a medida visa proteger os produtores agrícolas europeus de uma possível competição desnivelada com os países do Mercosul.

“Como o Brasil ficaria com preços muito mais interessantes para o mercado europeu, os franceses poderiam perder muito mercado. Então, eles estão pedindo para incluir neste acordo algumas cláusulas de proteção ao meio ambiente, uma série de outras coisas ligadas à qualidade da produção agrícola, justamente para que o Mercosul, principalmente o Brasil, não tenha a possibilidade de entregar produtos com preços mais acessíveis para o Mercado Europeu”, informou Carrilho.

No próximo semestre, o presidente brasileiro assumirá a presidência do Mercosul e, até lá, Lula tem o objetivo de tirar o acordo entre os grupos do papel. Apesar do acordo ainda não ter sido firmado, o presidente brasileiro sugeriu a Macron para que eles se reunissem com os representantes da categoria agrícola brasileira e francesa para firmarem um acordo.

Na sexta-feira, em conversa com a imprensa, o presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), Jorge Viana, destacou que o “processo de divergência entre os países pode ser algo mais brando, mais natural”. Contudo, ele se manifestou convencido de que as preocupações do setor agrícola "podem ser resolvidas".

O acordo

A reportagem ainda conversou com a advogada especialista em direito internacional Hanna Gomes, que destacou que o acordo de Associação Mercosul-UE, é um tratado multilateral que visa criar uma grande área de livre comércio. Dentre os principais objetivos, pode-se citar “redução de tarifas” e a fixação de “uma cooperação política e social específica entre os países envolvidos”.

“Em termos econômicos, o principal objetivo é a redução e eliminação de tarifas alfandegárias para maior circulação de bens e serviços agrícolas e também industriais. Significa que produtos do Mercosul teriam acesso facilitado ao mercado da UE, e vice-versa”, ressaltou a advogada.

Ainda reforçou que, caso o Brasil como um todo consiga chegar a um acordo sobre as exigências da França, os países do Mercosul passariam “a ter acesso a um mercado gigantesco, sendo a UE um dos maiores e mais ricos mercados consumidores do mundo”.

“O acordo tem a capacidade de abrir portas para exportações sul-americanas de produtos agrícolas (carnes, grãos, sucos, frutas, etc) e isso imprime uma expectativa de um aumento nos fluxos de investimento da Europa para o Mercosul, o que poderia gerar empregos, modernizar a indústria e impulsionar o desenvolvimento dos países”, completou Gomes.