Duas instituições da sociedade civil movem uma ação na Justiça Federal de São Paulo, cobrando das plataformas de apostas online, as chamadas bets, a devolução integral dos recursos do Bolsa Família utilizados desde dezembro de 2024. Naquele mês, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, determinou ao governo federal que adotasse providências para impedir o uso indevido desses recursos em apostas.
A ação civil pública é conduzida pela Educafro Brasil e pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Mônica Paião Trevisan (Cedeca). As organizações solicitam que o montante seja restituído ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, responsável pela gestão do programa de transferência de renda.
Além disso, o pedido inclui uma indenização de R$ 500 milhões por danos morais coletivos, a ser destinada a projetos sociais selecionados pelo Fundo Nacional de Direitos Difusos, vinculado ao Ministério da Justiça, ou a programas de prevenção para populações em situação de risco social.
“Não é admissível que empresas que atuam no ramo de apostas lucrem com dinheiro obtido junto a pessoas que estão em situação de hipervulnerabilidade e que por isso precisam do apoio do Estado na manutenção de condições mínimas de nutrição e no acompanhamento da saúde e da frequência escolar dos seus filhos”, afirmou o advogado Márlon Reis, coordenador jurídico da Educafro, em entrevista ao Correio da Manhã.
A petição, que tramita com pedido de tutela de urgência, tem como alvos a União, o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), que representa 75% do mercado nacional de apostas online, e dez grandes empresas do setor: Bet365, Betano, Betfair, Sportingbet, EstrelaBet, KTO, Superbet, VBET, Novibet e Betnacional.
Dados alarmantes
Segundo dados oficiais do Banco Central, somente em agosto de 2024 essas plataformas receberam cerca de R$ 3 bilhões por meio de transações via Pix, oriundos de aproximadamente cinco milhões de beneficiários do Bolsa Família. A média de gastos por pessoa foi de R$ 100,00, o que corresponde a cerca de 15% do valor total recebido, considerando o benefício de R$ 682,00. O levantamento ainda revela que quatro milhões desses beneficiários (70%) são chefes de família, ou seja, aqueles que efetivamente recebem o auxílio.
De acordo com um estudo técnico da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o setor varejista brasileiro deixou de faturar R$ 103 bilhões em 2024 devido ao redirecionamento de recursos das famílias para as plataformas de apostas online. A pesquisa também estima que essa redução causou a perda de cerca de 420 mil postos de trabalho e uma queda de mais de R$ 18 bilhões na arrecadação do país daquele ano.
As entidades autoras da ação acusam as empresas de apostas online de não tomarem medidas voluntárias para coibir a prática de uso de recursos sociais. Afirmam ainda que o fenômeno não é isolado, “mas sistemático e generalizado”. “Configurando verdadeira distorção da política pública de transferência de renda e expondo uma população já vulnerável a riscos ainda maiores de endividamento, ludopatia e agravamento da situação de pobreza”, diz trecho do documento.
Entre as medidas urgentes solicitadas, está a criação de um sistema digital seguro e auditável pelas plataformas, que permita o processamento de dados fornecidos pelo Governo Federal, com registros dos beneficiários do CadÚnico. O objetivo é impedir o cadastramento de novos usuários que sejam parte do programa e remover automaticamente aqueles já cadastrados, em conformidade com a Lei 14.790/2023, que regula as apostas de quota fixa, e com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
CPI das Bets
Com o objetivo de apurar a crescente influência dos jogos virtuais de apostas online sobre o orçamento das famílias brasileiras, os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, seguem em andamento no Senado Federal.
Nesta terça-feira (27), o colegiado ouvirá o depoimento do influenciador digital Luan Kovarik — mais conhecido como Jon Vlogs —, criador da plataforma de apostas Jonbet; além do empresário Jorge Barbosa Dias, proprietário da plataforma de apostas MarjoSports. Ambos foram convocados por requerimento da relatora da CPI, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS).