Por: Karoline Cavalcante

Recuo do Haddad no IOF expõe falhas de alinhamento na Esplanada

Haddad destacou que o país ainda tem mais de R$ 600 bilhões em renúncias fiscais | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

O recuo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em relação ao decreto sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) expõe a falta de alinhamento dentro da Esplanada. Ao Correio da Manhã, o coordenador de Análise Política da BMJ Consultores Associados, Lucas Fernandes, analisou que, apesar da recente chegada de Sidônio Palmeira ao comando da Secretaria de Comunicação Social — com a missão de resolver os problemas na transmissão de informações por parte do governo federal —, a gestão ainda enfrenta dificuldades significativas nessa área.

Na tarde da última quinta-feira (22), além de anunciar o congelamento de R$ 31,3 bilhões do Orçamento deste ano, a equipe econômica também padronizou as alíquotas do IOF em 3,5%. No entanto, a decisão de elevar a alíquota para investimentos de fundos nacionais no exterior, que antes eram isentos, provocou uma reação negativa no mercado financeiro.

O governo federal então convocou uma reunião de emergência no Palácio do Planalto para discutir as medidas. O encontro contou com a presença dos ministros da Casa Civil, Rui Costa, da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, e de Sidônio Palmeira, além de especialistas encarregados de avaliar os aspectos técnicos. Fernando Haddad, no entanto, não participou presencialmente, pois viajou para São Paulo após anunciar as decisões em coletiva de imprensa.

O resultado veio no mesmo dia: o ministro recuou sobre as aplicações de fundos nacionais no exterior e manteve a alíquota de 1,1% por operação nas remessas de pessoas físicas ao exterior destinadas a investimentos.

Durante participação virtual no XI Seminário Anual de Política Monetária, o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo — ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda — elogiou a supressão da medida. Ele afirmou que "nunca" foi favorável à ideia de elevar o IOF como forma de aumentar a arrecadação federal e afirmou que não chegou a negociar o tema com o ministro da pasta econômica.

Já aconteceu

Essa não foi a primeira vez que um anúncio do ministro gerou repercussão negativa e obrigou recuo posterior. Em novembro de 2024, ele fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV para detalhar cortes e medidas de ajuste fiscal, mas optou por dar destaque à proposta de reforma do Imposto de Renda, em uma tentativa de melhorar a imagem do governo. A estratégia, no entanto, foi mal recebida pelo mercado, que esperava um discurso mais firme sobre a contenção de gastos.

No caso mais recente, ocorrido em janeiro deste ano, Haddad anunciou novas normas que ampliavam a fiscalização sobre operações via Pix. No entanto, acabou revogando a medida após não conseguir conter a onda de fake news que diziam que o governo iria taxar esse meio de pagamento.

Falta de diálogo

Na avaliação de Lucas Fernandes, embora o governo tenha agido rapidamente para reverter o anúncio sobre o IOF, a situação poderia ter sido evitada. Para ele, o episódio evidencia a ausência de um diálogo político prévio, especialmente com a Casa Civil.

"O governo continua sendo nitidamente muito reativo. Está num esforço de trocar o pneu com o carro em movimento e, muitas vezes, age de forma atabalhoada. Depois da crise envolvendo o Pix, o governo chegou a anunciar que os decretos passariam pela Casa Civil para obter aval prévio, mas, como vimos no caso do anúncio de Haddad, isso claramente não ocorreu", afirmou o cientista político,

Além disso, Fernandes avaliou que os anúncios poderiam ter sido muito mais bem recebidos com uma comunicação mais eficiente. “Com ajustes básicos na forma de comunicar, essa crise [do Pix] nem teria se instalado. O governo poderia ter feito o anúncio de maneira protocolar, e a atenção estaria voltada a outros temas”, explicou.

Tática premeditada

Já para o cientista político André Rosa, o excesso de recuos por parte do governo faz parte de uma estratégia política. No entanto, observa que a um ano das eleições, é preciso adotar um cuidado maior, especialmente ao tratar de temas sensíveis como aumento de impostos.

“Essa tática foi amplamente utilizada no primeiro mandato de Donald Trump nos Estados Unidos. Medidas polêmicas, que poderiam gerar rejeição ou desgaste à imagem do governo, eram anunciadas e testadas diante da opinião pública. Caso a repercussão fosse negativa, o presidente recuava — total ou parcialmente. Essa mesma estratégia foi adotada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e, atualmente, também tem sido utilizada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, avalia ele.

Se o cientista poltico está certo, vale lembrar que nem Donald Trump nos Estados Unidos nem Jair Bolsonaro no Brasil conseguiram se reeleger usando a estratégia.