Por: Karoline Cavalcante

Governo não avaliou prejuízos de novo orçamento secreto

Novo orçamento secreto na saúde gerará mais desgaste | Foto: Ministério da Saúde

A criação de uma nova modalidade de orçamento secreto pelo governo federal, com o intuito de privilegiar aliados no Congresso Nacional, pode agravar ainda mais a crise de imagem que a gestão já enfrenta. Para o cientista político Rócio Barreto, em entrevista ao Correio da Manhã, a transparência é a melhor forma de conduzir a política pública. Segundo ele, a destinação de recursos por parlamentares sem identificação clara tende a gerar especulações negativas, tanto entre a população quanto entre os opositores.

De acordo com informações divulgadas pelo portal UOL, o Ministério da Saúde — atualmente sob a liderança do ministro Alexandre Padilha — está orientando a base aliada no Legislativo a instruir os prefeitos sobre como encaminhar pedidos por meio de um protocolo digital do ministério, sem identificar os parlamentares responsáveis. Esse procedimento, encaminhado por escrito aos congressistas na segunda semana de maio, tem como objetivo manter o sigilo e o controle sobre as indicações.

R$ 3 bilhões

O montante reservado para essa ação é de, no mínimo, R$ 3 bilhões, quantia que poderá ser ajustada conforme a necessidade do governo até o final do ano. Esse montante é um adicional, uma vez que o orçamento de 2025 já contempla mais de R$ 50 bilhões por meio de emendas parlamentares. Os recursos serão pagos diretamente pela pasta da Saúde e têm a finalidade de "compensar" o apoio recebido pelos parlamentares na votação do orçamento e do arcabouço fiscal de 2025. O acordo para a liberação foi formalizado pela ministra da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Gleisi Hoffmann, com o Congresso Nacional.

A distribuição ocorrerá da seguinte forma: cada deputado terá direito a R$ 5 milhões, enquanto cada senador receberá R$ 18 milhões. Contudo, haverá um “desconto” de até 40% para aqueles que votaram contra a mudança nas regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC) no final de 2024. A expectativa é que os valores sejam aplicados no Sistema Único de Saúde (SUS) dos municípios indicados, sendo 60% destinados à Média e Alta Complexidade (MAC) e 40% para o Piso de Atenção Primária (PAP).

A reportagem ainda revela que o acordo foi selado com o aval do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Inclusive, a distribuição das planilhas no Senado está sob a responsabilidade de Ana Paula Magalhães Lima, chefe de gabinete de Alcolumbre.

Transparência

Desde o ano passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, tem bloqueado emendas de comissão que não atendem aos critérios de transparência necessários para sua execução. Em dezembro, ele chegou a suspender o pagamento de aproximadamente R$ 4,2 bilhões. Em fevereiro de 2024, o plenário da corte referendou a decisão do magistrado, que havia homologado um plano de trabalho detalhando novas medidas para garantir maior transparência na execução das emendas parlamentares ao Orçamento da União.

Na avaliação de Rócio Barreto, a criação de uma manobra semelhante ao orçamento secreto pelo governo federal — algo amplamente especulado e criticado durante o governo Jair Bolsonaro (PL) —, especialmente em um momento em que o STF atua para coibir esse tipo de emenda, "não será bem recebida". Para além disso, aponta que essa atitude gera a percepção de incoerência por parte da gestão, especialmente em um momento delicado para o governo, que já enfrenta uma série de problemas. “É uma situação difícil até de ser comunicada à população”, afirmou.

Para ele, o prejuízo político provavelmente será maior do que os ganhos desse arranjo. “Acredito que o governo poderia ter utilizado esse recurso de outra forma, oferecendo oportunidade a todos os municípios que precisassem ou criando uma distribuição focada em questões específicas da saúde. Quando os temas são determinados, nem todos os municípios podem participar, o que facilita a seleção. Essa não é a melhor maneira de fazer essa escolha. O governo errou nisso, tanto o ministro Padilha quanto a presidência da República do governo Lula não avaliaram adequadamente o impacto especulativo nem dimensionaram o tamanho do prejuízo”, explicou o cientista político à reportagem.