Em busca de reforçar a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital, o governo federal enfrenta obstáculos para implementar de forma eficaz sua proposta. Ao Correio da Manhã, o sociólogo e especialista em comportamento humano, marketing político e digital, Marcelo Senise — presidente do Instituto Brasileiro para a Regulamentação da IA (IRIA) — avaliou que, embora a iniciativa reflita uma preocupação legítima, medidas como a verificação obrigatória de idade e a criação de um canal unificado de denúncias precisam ser cuidadosamente planejadas. Segundo ele, é fundamental evitar riscos como violações de privacidade, discriminação e exclusão digital.
Segundo informações reveladas pelo portal UOL, sob a liderança do Ministério da Justiça, essas duas iniciativas tecnológicas estão em análise com o objetivo de enfrentar riscos como exposição a conteúdos inadequados e crimes virtuais em plataformas como TikTok, Instagram e outras redes sociais.
Único botão
A primeira ferramenta visa facilitar a denúncia de conteúdos ou comportamentos nocivos contra menores. A ideia é centralizar essas denúncias em um único botão, com integração entre serviços digitais, Polícia Federal e demais órgãos responsáveis. O MJ ficaria encarregado de compilar e direcionar os alertas aos canais competentes.
Já a segunda iniciativa foca na checagem da idade real dos usuários. Atualmente, redes sociais permitem o cadastro a partir dos 13 anos, mas essa exigência não se alinha à legislação brasileira, que define limites e restrições com base em faixas etárias específicas. O governo pretende obrigar as plataformas a verificar a idade de seus usuários com maior rigor, afastando menores de conteúdos impróprios.
Três soluções estão em análise para essa checagem: reconhecimento facial por meio da câmera dos dispositivos; uso de inteligência artificial para estimar a idade com base no comportamento digital; e a criação de um “token etário” — uma espécie de certificado anônimo com a faixa etária do usuário, emitido a partir de dados públicos, mas sem expor identidade, endereço ou nome.
Riscos
O presidente do IRIA observou, porém, que o uso de tecnologias como o reconhecimento facial para estimar a idade do usuário — com base em suas feições —, embora ofereça um potencial de maior precisão, levanta sérias preocupações de privacidade e discriminação. “Estudos indicam que algoritmos de reconhecimento facial podem apresentar vieses, especialmente em relação a raça e gênero, levando a erros na identificação de pessoas negras, asiáticas ou transgênero”, alertou Senise.
Proteção de dados
Ele também destacou que a coleta e o armazenamento de dados biométricos sensíveis, como imagens faciais, podem violar os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que impõe limites claros sobre o tratamento de informações pessoais, exigindo minimização dos dados coletados e consentimento explícito dos usuários.
Quanto à proposta de criação de um canal unificado para denúncias, Senise avaliou que ela representaria um avanço, considerando que atualmente, cada plataforma opera com seu próprio sistema de denúncias, o que pode ser confuso e ineficiente. “Um canal único permitiria uma resposta mais coordenada e eficaz por parte das autoridades competentes”, disse.
“No entanto, a implementação desse canal requer a colaboração entre governo, plataformas digitais e organizações da sociedade civil. É fundamental garantir que o sistema respeite os direitos dos usuários, evitando censura indevida e assegurando a liberdade de expressão”, finalizou o especialista à reportagem.