O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou, nesta quinta-feira (20) a liberação pública dos áudios e vídeos relacionados à delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A decisão gerou controvérsias, especialmente após declarações da deputada federal Caroline De Toni (PL-SC), que questionou a validade do acordo de colaboração. Os vídeos, porém, permitem observar a forma como Mauro Cid foi tratado, a presença de seus advogados e como foram feitos os questionamentos.
Ouvida pelo Correio da Manhã após analisar os vídeos, a especialista em advocacia criminal Karolyne Guimarães esclareceu que o procedimento adotado no caso de Cid foi regular. "Trata-se de procedimento padrão, pois Mauro Cid estava devidamente acompanhado de advogado e defesa técnica, em audiência específica para esse fim. Inclusive, estava na presença do Ministério Público”. Os vídeos mostram claramente que todas as oitivas eram acompanhadas pela defesa de Cid e pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Durante coletiva da oposição realizada na quarta-feira (19), De Toni afirmou que a delação de Cid não deveria ser considerada como base para as denúncias feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e outros 33 aliados, uma vez que Cid teria sido coagido a prestar depoimento. Ela mencionou os áudios vazados pela Veja durante a apuração em março de 2024, em que Cid afirmou que a Polícia Federal possui uma “narrativa pronta” e havia sido pressionado a colaborar com a investigação.
A deputada acusou, ainda, o STF de ter se transformado em um “tribunal político”. “Vocês acham mesmo que em um Estado de direito esta prova é válida? Essa prova não vale. Isso é uma aberração jurídica, uma narrativa construída que tem endereço para tentar intimidar, não só o ex-presidente Bolsonaro, mas toda a direita existente nesse país”, afirmou Carolina De Toni.
Desabafo
Ao ser questionado sobre o que foi dito nos áudios vazados pela revista Veja, Cid se emocionou ao dizer que se tratava de “um desabafo” que enviou a um amigo, que suas palavras não tinham “sinais de crítica” para atacar ninguém. Além disso, negou qualquer tentativa de coação por parte da PF.
"A Polícia Federal sempre me tratou com muito respeito. Por mais que eles tenham a tese investigatória deles, eu tenho a minha versão. Mas nunca houve pressão, 'eu quero que você fale isso, eu quero que você fale aquilo, senão você vai perder, veja bem o que vai falar. Eles têm a tese investigatória dele, e eu tenho a minha versão", disse.
“E nem mais direito a conversar eu tenho porque se eu desabafo com um amigo, se eu grito com um amigo, no outro dia está na imprensa. As palavras ali não tinham sinais de crítica, era uma forma minha de expressar, tanto que tem palavrão ali e quem me conhece sabe que eu não falo palavrão”, finalizou, emocionado.
Última chance
Após a reportagem da Veja, Moraes fez uma audiência com Mauro Cid, na qual diz que aquela seria uma “última chance” de manutenção da colaboração. No vídeo dessa reunião, o ministro do STF explica que a colaboração, não poderia ser “seletiva”. Que ele estava obrigado a revelar o que sabia. Do contrário, o acordo poderia ser anulado.
“A colaboração premiada não pode ser seletiva e direcionada. Ela não pode ser utilizada para proteger alguns e prejudicar outros. Aqui, o colaborador dá os fatos. Quem analisa quem será processado ou não é o Ministério Público, é a Procuradoria-Geral da República”, afirmou o ministro, após a PF constatar omissões e contradições em depoimentos anteriores.
A advogada também explicou que faz parte da obrigação da autoridade judiciária o aviso sobre as implicações da delação premiada. “Da sua omissão e eventual falta de verdade dos fatos, e de suas consequências, como a prisão e revogação dos benefícios eventualmente estipulados na delação”, acrescentou Karolyne Guimarães.
Conforme está na documentação liberada com a delação de Cid, o ex-ajudante da Ordens teria condicionado a sua colaboração a conseguir que sua pena não ultrapasse dois anos e que sua família ficasse livre de condenação. A família está implicada em outros casos além da tentativa de golpe. Cid falsificou certificado de vacina de covid-19 da sua mulher e sua filha. E o pai do tenente-coronel, o general Lourena Cid, envolveu-se no caso da venda das joias recebidas por Bolsonaro como presente de outros países.