Em um possível aceno positivo ao campo oposicionista, com quem fez acordos para se eleger, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), reafirmou, na última sexta-feira (7), a sua posição sobre a Lei da Ficha Limpa. Para ele, o período de oito anos de inelegibilidade para políticos condenados por crimes eleitorais, que consta na legislação, é “uma eternidade”. A fala foi feita em entrevista à rádio Arapuan, de João Pessoa (PB).
“Minha opinião pessoal é que em um sistema democrático, que tem eleição de dois em dois anos, não achar que oito anos é um tempo extenso de penalidade é não reconhecer o sistema democrático”, disse Motta. “Nós estamos em 2025, só se fala na eleição de 2026, um ano e sete meses para a eleição. Nesse período, vai acontecer uma quantidade de fatos que nós não conseguimos, por mais previsibilidade que se tenha, adivinhar o que vai acontecer. Imagine em oito anos; oito anos na política brasileira é uma eternidade”, ponderou.
Bolsonaro
Embora tenha reconhecido que o tema está em destaque devido à intenção do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de reverter a sua inelegibilidade e concorrer ao pleito de 2026, Motta disse que não possui compromisso em pautar a matéria. "As pessoas que vão defender essa mudança na Lei da Ficha Limpa é que têm que levar os argumentos para o Colégio de Líderes e para a Casa. Tenho que tratar de forma regimental as pautas que irão me chegar", disse o presidente da Câmara.
Bolsonaro está inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que o condenou em 2023 por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Com isso, a oposição se articula para emplacar o Projeto de Lei Complementar (PLP) 141/2023 que visa reduzir o tempo de inelegibilidade de oito para dois anos, contados a partir da eleição em que se verificou a prática do crime. Dessa forma, o ex-presidente poderia voltar ao cenário eleitoral em 2026.
Grave retrocesso
Ao Correio da Manhã, o ex-juiz e um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, Márlon Reis, considerou a tentativa de redução como um dos mais graves retrocessos já propostos no sistema eleitoral brasileiro. Para ele, a ampliação do tempo de três para oito anos na legislação ocorreu devido à ineficácia da punição anterior, que permitia “a continuidade de práticas ilícitas".
“Reduzir o prazo de inelegibilidade para dois anos esvaziaria completamente a punição. Esse período é tão curto que, na prática, nem impediria um candidato condenado de disputar a eleição imediatamente seguinte. Além disso, a justificativa de que há outros mecanismos de responsabilização política ignora a realidade do sistema judicial brasileiro”, iniciou. “Processos criminais e administrativos podem levar anos para serem concluídos, e a inelegibilidade funciona justamente como uma proteção imediata contra a ocupação de cargos públicos por agentes condenados por abuso de poder, corrupção eleitoral e outros crimes contra a democracia”, acrescentou Reis.
Anistia
Ainda na entrevista, Hugo Motta afirmou que os atos do dia 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, não devem ser considerados uma tentativa de golpe, pois não houve uma liderança ou o apoio de instituições interessadas.
“Foi uma agressão às instituições, uma agressão inimaginável, ninguém imaginava que aquilo pudesse acontecer. Agora, querer dizer que foi um golpe? Golpe tem que ter um líder, golpe tem que ter uma pessoa estimulando, apoio de outras instituições interessadas, como as Forças Armadas. E não teve isso. Ali foram vândalos, baderneiros, que queriam demonstrar sua revolta achando que aquilo ali poderia resolver talvez com o não prosseguimento do mandato do presidente Lula”, iniciou.
O parlamentar também classificou como exageradas as punições impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a quem “não cometeu atos de tanta gravidade”. “Você não pode penalizar uma senhora que passou na frente lá do Palácio, não fez nada, não jogou uma pedra e receber 17 anos de pena para regime fechado. Há um certo desequilíbrio nisso. Nós temos de punir as pessoas que foram lá que quebraram, que depredaram, essas pessoas sim, precisam e devem ser punidas para que isso não aconteça novamente. Mas entendo também que não dá para exagerar no sentido das penalidades com quem não cometeu atos de tanta gravidade”, complementou o deputado do Republicano.
Ele mencionou que, em conversa com Bolsonaro, o ex-presidente não estabeleceu uma condição para que seja pautado o Projeto de Lei (PL) 2858/2022 — que busca anistiar os condenados pelos ataques do dia 8 de janeiro — porém, pediu que, caso haja um ambiente político no colégio de líderes, que não fossem criados obstáculos pela presidência da Casa para a tramitação.
Divergência
As declarações causaram reações entre os parlamentares. A senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que foi a relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, divergiu do presidente da Câmara. “Como relatora da CPMI posso atestar categoricamente: após 5 meses de investigação, de receber centenas de documentos e de ouvir dezenas de testemunhas, houve tentativa de golpe e o responsável por liderar esses ataques tem nome e sobrenome. É Jair Messias Bolsonaro”, escreveu a senadora, em suas redes sociais.