Na primeira sessão de julgamentos de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu continuidade à análise da letalidade policial em operações nas comunidades do Rio de Janeiro, tema central da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, também conhecida como a “ADPF das favelas”. O julgamento foi retomado nesta quarta-feira (5) com o voto do relator, ministro Edson Fachin, que apresentou um parecer detalhado com cerca de 200 páginas de fundamentação.
O relatório é para manter restrições às operações realizadas pela Polícia Militar do Rio de Janeiro e propõe a homologação parcial do plano já apresentado pelo governo do estado, pois, segundo o magistrado, demanda complementações para garantir que as medidas sejam totalmente implementadas.
Letalidade
Segundo o voto de Fachin, o planejamento deve contar com três principais pontos: a meta de redução da letalidade policial e da priorização de indicadores de processo; a adoção do conceito de uso diferenciado da força e respeito a seus protocolos, e a assistência à saúde mental para os profissionais de segurança pública. Além disso, também estipula a necessidade de criação de um comitê de acompanhamento do cumprimento da decisão.
Fachin ressaltou que os únicos quatro estados que não divulgam se a morte por intervenção policial decorreu de ação de policial civil ou militar são Bahia, Sergipe, Goiás e Rio de Janeiro – e apresentam os índices de letalidade policial dentre os mais elevados do país.
“Ainda que comprovada estivesse a eficácia da atuação letal das forças policiais para a redução da criminalidade, essa seria uma opção inconstitucional e incompatível com o ordenamento jurídico pátrio e com o direito internacional dos direitos humanos”, afirmou Fachin.
Diante da complexidade do documento, o julgamento foi temporariamente suspenso para que os outros ministros tenham tempo para analisar o conteúdo de forma mais aprofundada. O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, indicou que a próxima etapa do julgamento deve ocorrer dentro de aproximadamente três semanas.
Insegurança
Na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o governador do Estado, Cláudio Castro (PL) ponderou na última terça-feira (4) que, embora seja importante aprimorar a atividade policial e a transparência no setor, a necessidade de excepcionalidade das operações retira do povo o direito à segurança pública.
“Ninguém aqui foge à crítica ou de um processo de melhoria e evolução. Acho positivas as situações em que a ADPF venha a melhorar a atividade policial e reforço na transparência. Os casos complexos são esse critério de extraordinariedade, que vem de encontro à ostensividade que é o trabalho da polícia. Quando você cria uma ideia de extraordinariedade, tiramos do povo, da comunidade, o direito de ter uma polícia ostensiva”, disse Castro.
ADPF das favelas
A ADPF 635 foi proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 2019, por alegar que há um quadro de “grave violação generalizada de direitos humanos” em razão do descumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH) no caso Favela Nova Brasília.
Desde então, a Suprema Corte tem emitido diversas decisões liminares para regular a atuação das forças de segurança no estado. Entre as determinações já tomadas, destacam-se restrições ao uso de helicópteros durante operações, limitando sua utilização a casos de extrema necessidade; a exigência de justificativas ao Ministério Público para a realização de operações perto de escolas, creches, hospitais ou postos de saúde, sendo que os locais não podem ser utilizados como base para as operações; a obrigatoriedade de instalação de câmeras nas fardas dos policiais e equipamentos de geolocalização (GPS) nas viaturas, além de gravação em áudio e vídeo, mesmo para equipes especializadas; entre outras.
Levantamento do Ministério Público do Rio mostrou que a redução de mortes por intervenção policial entre 2019 e 2023 foi de 52%. "Tais números evidenciam que a adoção de parâmetros de transparência e controle na atividade policial têm o condão de viabilizar o exercício das funções de segurança pública de forma competente e sem elevação de índices de criminalidade", disse o relator.