Por: Richard Stoltzenburg - PETR

A história de uma banca de jornal que resiste em Petrópolis

Por Mariana Braga

Em meio às transformações de Petrópolis e ao avanço da tecnologia, algumas bancas de jornal ainda resistem na Cidade Imperial. São espaços que guardam a memória do impresso, do hábito de folhear páginas e do encontro cotidiano com o jornaleiro. Entre elas está a banca da Praça da Inconfidência, que há quase meio século acompanha a rotina do Centro Histórico e se tornou referência para quem vive ou trabalha na região.

No coração da cidade, entre o vai e vem constante das ruas, a banca de Júlio Cilento mantém viva uma tradição familiar. Ele assumiu o ponto depois da morte do pai, seguindo um trabalho que já atravessa gerações. "Eu sou filho do último dono. A banca já está aqui há uns 35 anos, mudando de posição na praça ao longo do tempo. É tradição na família. Todos os filhos já trabalharam como jornaleiros e, depois que meu pai faleceu, eu fiquei responsável pelo lugar", contou.

Fundada há mais de três décadas, a banca acompanhou mudanças importantes na Praça da Inconfidência e no entorno. Viu o comércio crescer, prédios serem revitalizados e o fluxo de turistas aumentar ano após ano.

Época de ouro

Nos tempos em que o jornal impresso era a principal fonte de informação, o movimento começava cedo. Clientes chegavam antes mesmo do sol nascer para garantir a edição do dia, especialmente quando as manchetes prometiam impacto.

Mas, com a popularização da internet e dos celulares, tudo mudou. Muitas bancas fecharam as portas e Júlio precisou se adaptar para manter o negócio. "Fui mudando as mercadorias e passei a trabalhar com outros tipos de produtos para acompanhar o avanço da tecnologia. A banca foi se transformando, mas o jornal impresso sempre esteve presente", afirmou.

Mesmo com as mudanças, o vínculo com os clientes permanece forte. Alguns continuam indo todos os dias — principalmente idosos, que ainda preferem o jornal físico. Já os mais jovens costumam parar para conversar, trocar ideias e falar de futebol.

Memória afetiva

Mais do que um comércio, a banca faz parte da memória afetiva da cidade. É símbolo de resistência em um tempo em que quase todas as informações estão na palma da mão. Mas, manter essa tradição não é simples e o próprio dono admite que já pensou em desistir. "Tem vezes que dá vontade de fechar, sim. A gente desanima. Mas eu tenho um carinho muito grande por esse lugar, porque a banca já foi de outros familiares também. Isso pesa muito", disse.

Tragédia de 2022

O local também guarda lembranças dolorosas. Durante a tragédia climática que atingiu Petrópolis em 2022, a banca foi tomada pela água. "Eu estava aqui naquele dia. A banca ficou com quase um metro de água. Tive que sair correndo para a escada da Igreja do Rosário e fiquei vendo a água entrando. Tive muito prejuízo com as mercadorias e a praça inteira ficou destruída", relatou Júlio.

Copa do Mundo

Apesar das dificuldades, a banca também é palco de momentos de alegria. Nas Copas do Mundo, a praça se transforma em ponto de encontro de colecionadores de figurinhas. A tradição começou de forma espontânea em 2014 e se firmou nos anos seguintes. "Começou como uma brincadeira em 2014, porque a Copa era no Brasil. Depois disso, virou ritual. Em toda Copa, aqui vira ponto de troca de figurinhas", contou.

Com a Copa de 2026 se aproximando, Júlio já vive a expectativa de mais uma temporada de movimento, mas também de preocupação com o preço das figurinhas, que aumenta a cada edição. "Quem trabalha com figurinha quer logo que chegue a Copa. Mas a gente também fica preocupado com o valor, porque sobe a cada ano. Mesmo assim, a expectativa é boa. Brasileiro gosta de futebol, então sempre tem movimento", completou.

Entre jornais, revistas, figurinhas e muitas histórias, a banca da Praça da Inconfidência segue resistindo. Em meio à revolução digital, continua aberta, provando que tradição também é uma forma de resistência.

Patrimônio cultural

A discussão sobre a preservação das bancas de jornal ganhou força no Estado do Rio de Janeiro. Em 18 de junho de 2025, a Assembleia Legislativa (Alerj) aprovou em primeira discussão o Projeto de Lei 5254/2025, que propõe declarar as bancas como patrimônio cultural imaterial. O texto reconhece "seus saberes e fazeres", suas funções socioculturais e urbanas, além do valor simbólico e afetivo desses pontos tradicionais. A justificativa destaca o papel das bancas na difusão da cultura impressa, como locais de convivência comunitária e como elementos que fazem parte da paisagem urbana de diversas cidades fluminenses, incluindo Petrópolis.

Apesar do avanço, ainda não há uma decisão definitiva. O projeto precisa ser votado novamente e só depois segue para sanção, o que significa que as bancas ainda não possuem garantia legal consolidada como patrimônio estadual. Até que o processo seja concluído, o reconhecimento permanece em fase de debate e tramitação, sem efeito jurídico pleno