Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Locarno à italiana

Em Bobò, Pippo Delbono registra uma saudade | Foto: Divulgação

Mordido na jugular, no fim de semana, por um vampiro cinematográfico meio romeno, meio brasileiro, chamado "Drácula", dirigido por Radu Jude e produzido por Rodrigo Teixeira, o 78° Festival de Locarno faz um uso inteligente de sua proximidade com Milão (que fica a duas horas de lá, de ônibus) e vai buscar na Itália títulos que prometem reverberar mundo adentro.

Nesta terça, a competição pelo Leopardo de Ouro, o troféu mais cobiçado do evento suíço, recebe "Le Bambine" (que há de se chamar "Mosquitoes" internacionalmente), das irmãs Valentina e Nicole Bertani. Existe imensa expectativa por esse roteiro. É uma volta a um tempo de crise para as telas italianas, 1997.

Macaque in the trees
La Bambine fala da conexão de meninas na Itália de 1997 | Foto: Emma Film

Naquele momento, Linda, de oito anos, foge de uma vila na Suíça pertencente à sua avó rica, onde vive com sua mãe, Eva. Na fuga, ela conhece Azzurra e Marta. Um vínculo de verão une as três meninas em uma gangue formada para proteger umas às outras, sua juventude e sua liberdade. Ao redor delas, pairos pais egoístas perseguindo sonhos frágeis, vizinhos fofoqueiros e uma babá queer em busca de pertencimento em um mundo homofóbico.

Tensões da infância também mobilizam "Gioia Mia", que Locarno foi buscar em Palermo, das mãos da diretora Margherita Spampinato. A produção brilhou ontem, na mostra Cineasti Del Pressente. Em seu enredo, um menino e uma senhora idosa são obrigados a passar um verão juntos. É um choque entre modernidade e tradição, velocidade e lentidão. Estamos diante de um verão repleto de medos e descobertas, mas também de aventuras, marcos e perdas - um verão após o qual nada mais será como antes para aquelas pessoas... e para a plateia.

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Gioia Mia recria um verão inesquecível | Foto: Yagi Media

Locarno parla Italiano como sua língua primeira, embora o Francês e o Alemão também sejam ensinados nas escolas. É comum a presença de realizadores da pátria de Fellini por lá, mas é pequena a esquadra de artistas de lá que se notabilizou com prêmios no festival nesta década, em que a atual curadoria artística (pilotada desde 2021 pelo curador Giona A. Nazzaro, de Zurique) faz a revitalização daquela tradicional mostra competitiva. A corrida pelo Leopardo de 2025 traz a Itália como coprodutora de dois outros concorrentes: o croata "God Will Not Help", de Hana Jušic, e o (hilário) romeno "Sorella di Clausura", de Ivana Mladenovic.

Fora de concurso, a Itália busca aplausos em Locarno com "Bobò", Pippo Delbono . A narrativa registra um retrato delicado de um homem surdo-mudo, analfabeto e microcefálico que Pippo conheceu numa instituição médica de Aversa. Bobò viveu por 46 anos. Deixou saudades. Estas viraram filme.

Nesta terça, Locarno viaja até Belgrado, levado pelo olhar do cineasta bósnio Dane Komljen, para conferir o paranoico processo de isolamento de um homem numa relação fraterna torta em "Desire Lines". Na trama, Branko vive à margem da sociedade em sua pátria. Isolado e incapaz de dormir, ele não fala com ninguém. Sua única obsessão parece ser seu irmão mais novo, cujos sapatos enlameados, lençóis manchados de sangue e paradeiro sempre enigmático o deixam inquieto. Branko segue cada passo do maninho, assombrado por seu comportamento estranho. À medida que a paranoia se instala, Branko percebe que o mais estranho naquele mundo é ele mesmo.

Um dos títulos mais esperados de Locarno para esta semana é o thriller "Keep Quiet", dirigido por Vincent Grashaw, que busca holofotes para o esquecido Lou Diamond Phillips, astro de "La Bamba" (1987). Na trama, um policial indígena experiente e uma recruta precisam encontrar um fugitivo da Justiça, crudelíssimo, cujo retorno à reserva rural expôs seus segredos mais sombrios e pode desencadear uma violenta guerra entre gangues. Sua projeção será na quinta. No sábado, o festival encerra suas atividades com a premiação e com exibição da nova versão (agora musical) de "O Beijo da Mulher Aranha", o livro de Manuel Puig (1932-1990), que inspirou um dos maiores êxitos do diretor Hector Babenco (1946-2016), em 1985. Agora, Jennifer Lopez encarna o papel que foi de Sonia Braga. O longa, dirigido por Bill Condon, passa no encerramento do festival, e tem Diego Luna e Tonatiuh nos papéis que foram de Raúl Julia (1940-1994) e William Hurt (1950-2022), que ganhou o Oscar pela versão de Babenco, interpretando o decorador Molina.