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Quartos de despejo

Passado o Dia da Consciência Negra nesta quinta-feira (20), agora transformado em feriado nacional, vale relembrar o livro "Quarto de Despejo", de Carolina Maria de Jesus. Escrito no final da década de 1950 e início da década de 1960, o livro ainda se mostra dolorosamente atual.

'Quarto de Despejo" é o registro de Carolina em diário, no qual ela conta as agruras de moradora em uma favela que na época havia às margens do rio Tietê, em São Paulo, por onde hoje corre a famosa via Marginal. Carolina foi descoberta pelo jornalista Audálio Dantas, então repórter da revista O Cruzeiro. Audálio impressionou-se com a poesia e sensibilidade de Carolina ao narrar sua vida miserável. Transformou o diário primeiro em reportagem e depois conseguiu que ele fosse publicado em livro, que se tornou um clássico da literatura brasileira.

"Quarto de Despejo" e uma leitura ao mesmo tempo dolorosa e bela. Carolina conta o sofrimento de quem passa fome, de quem é obrigado a buscar comida no lixo para sobreviver e para fazer com que sobrevivam seus filhos. Ao mesmo tempo, ela encontra imensa poesia ao retratar tal sofrimento. Como quando descreve a fome como sendo "amarela": quando se está com fome, diz ela, todas as demais cores do planeta desaparecem.

Ou na própria sensibilidade para retratar a favela, resumindo-a no título do seu livro. A favela é o "quarto de despejo", e repositório onde a sociedade despeja tudo aquilo que não a interessa mostrar.

Nem todos os personagens retratados por Carolina são negros. Mas boa parte são. Todos, porém, são os excluídos, os despejados pela sociedade. Sobrevivendo em um ambiente de absoluta miséria e violência. Que, infelizmente, ainda resiste mais de 70 anos depois.

O Brasil precisa se livrar dos seus quartos de despejo. E colorir imediatamente a vida dos que ainda sentem a fome amarela.