Era fim de tarde, sol quase se pondo e as pessoas começavam a ocupar as ruas. Abriam os portões do quintal e traziam as cadeiras. Alguns nem precisavam trazer cadeiras, pois já tinham tocos de árvores usados como banquinhos, estrategicamente posicionados em alguma sombra. Por volta das 17h, os vizinhos se encontravam para conversar sobre a rotina e atualizar os assuntos. Era assim que os laços de comunidade eram estreitados.
A cena é comum na memória de muitos brasileiros e brasileiras que cresceram em cidades pequenas ou em regiões mais periféricas aos grandes centros e que demoraram a ver o progresso chegar. A vida ali tinha outro ritmo. Ninguém precisava entender o que estava acontecendo no mundo. Ninguém ali saberia o nome de um ministro do STF. Talvez pudesse saber do capítulo de ontem da novela das 20h. E se não tivesse visto, não haveria problema: alguém contaria com calma e riqueza de detalhes, como se o tempo não fosse uma urgência constante.
Pode ser que essa imagem fique apenas na memória. Os tempos mudaram. As pessoas não conhecem mais os vizinhos, não saem de casa e não ocupam as praças. Seria insegurança? Talvez. Mas, ironicamente, os níveis recentes do Distrito Federal apresentaram bons números — a menor taxa de homicídios em 11 anos. Pode ser que este não seja o único problema.
Com o crescimento das redes sociais e da facilidade de acesso à informação, cresceu também a sensação de insegurança. Os pais, mães e responsáveis temem que algo aconteça com os filhos e preferem que estes, quando não estiverem na escola ou em algum curso, fiquem em casa com seus celulares. Na rua, há muitos perigos. Além disso, os pais também não têm mais tempo para conhecer os vizinhos. Sabem o que aconteceu na vida da irmã do cunhado que é vizinho da tia de um influenciador que mora no outro lado do Brasil. Mas o vizinho ficou longe demais.
Talvez o progresso tenha trazido o excesso de informações, a sensação de insegurança, os medos e a escassez de tempo, transformando este último em um artigo de luxo. E talvez o ritual da calçada tenha se tornado uma memória, peça de museu.