Brasília, a cidade erguida entre chapadas e cerrados, não costuma vestir casacos em outubro. Por tradição e natureza, o mês é sinônimo de recomeço: as chuvas voltam tímidas, os ipês já despejaram sua glória no chão, e o calor, sempre presente, parece um velho conhecido que se recusa a partir. Mas, esta semana, algo destoou. O frio chegou sem avisar, cortante e silencioso, como se o Cerrado tivesse esquecido sua vocação tropical.
Na capital modernista, onde os ventos deslizam entre pilotis e espelhos d'água, a friagem ganhou força. Termômetros, sempre generosos nesta época, cederam ao inesperado. Brasília acordou envolta em neblina, suas linhas retas e traços de Lúcio Costa cobertos por um véu de melancolia. As asas do Plano Piloto bateram devagar, como pássaro enfrentando tempestade no voo.
Foi um frio que não apenas cobriu corpos, mas também visitou a memória. Velhos brasilienses lembraram-se de invernos distantes, de janelas embaçadas e cobertores de lã. Jovens, desacostumados a esse tipo de arrepio, improvisaram casacos e se recolheram às cafeterias da Asa Norte, onde o café quente virou protagonista. O frio uniu desconhecidos sob o pretexto de um comentário casual: "Que estranho, esse tempo, não?"
Mais do que meteorologia, esse outubro gelado revelou um traço essencial de Brasília: sua capacidade de surpreender. A cidade, feita para o futuro, às vezes precisa lembrar que até o futuro é inconstante. O frio, passageiro como tudo por aqui, trouxe uma pausa, um silêncio, uma delicadeza. A rotina apressada dos ministérios, das avenidas largas e da política intensa foi obrigada a respirar fundo.
Talvez seja esse o presente oculto de um frio fora de hora: a chance de parar. De se agasalhar na palavra, no encontro, na pausa. E perceber que até o cerrado tem seus dias de poesia cinza, quando até o concreto parece querer um cobertor.