Por: Dora Kramer*

Congresso 'inimigo' é retrato do povo

O mote "Congresso inimigo do povo" pode ser visto de várias formas: como um achado de palanque, um ataque equivocado a um dos pilares da República ou um elogio àquele tipo de populismo que rejeita a política e dá margem ao atraso e a aventuras nefastas.

Numa compreensão mais elaborada, pode também ser recebido como alerta didático, um chamado à responsabilidade do eleitorado como agente formador da composição do colegiado.

Se o atual Parlamento se comporta de maneira antagônica à sociedade, haveria nesse raciocínio um estímulo à eleição de representantes parceiros em 2026. Aí, no entanto, existe uma complicação: a aplicação do conceito de amizade ou inimizade de acordo com pontos de vista ideológicos.

Na perspectiva do governo -autor do slogan para fins de mobilização da militância-, amigos são os que compartilham da visão de mundo do Palácio do Planalto e inimigos os que discordam.

No cotejo com a realidade, contudo, a escala de prioridades dos eleitores oscila. Depende do que prevalecer no ambiente de campanha: a estridência ideológica ou o exame racional do que seriam as demandas populares de fato urgentes.

Se predominar o critério das torcidas radicalizadas incentivadas por seus chefes, a eleição de deputados e senadores estará submetida à cartilha de cada um dos grupos e aí continuará prevalecendo a lógica dos interesses da corporação.

Protestos como os organizados pela esquerda no domingo (14) se prestam a sentimentos do dever cumprido contra o avanço da direita, mas não resolvem o problema. Apenas cria o risco de invertê-lo se amanhã ou depois a maioria for de esquerda.

O ideal seria não se confundir o Parlamento com os eleitos e eleitas para dar expediente por lá. Pessoas podem ser trocadas mediante o voto, prerrogativa dos manifestantes.

A instituição é permanente. Está sob a guarda de cláusula pétrea da Constituição, a salvo de depreciações oportunistas e queixas de ocasião.

*Jornalista e comentarista de política