A ascensão da nova direita brasileira ocorreu sobretudo como força de demolição, evidenciando as limitações de uma esquerda que, ao longo de décadas, aparelhou o Estado, consolidou influência nas universidades, formou quadros no Judiciário e construiu hegemonia cultural. Essa esquerda, sustentada por um distributivismo de origem sindical , e boas intenções, mostrou capacidade de mobilização política, mas pouco avançou na criação de riqueza ou na promoção efetiva da autonomia individual. A direita identificou essas falhas, mas não foi capaz de apresentar uma alternativa consistente. Faltaram projeto, linguagem, formação e estrutura.
Olavo de Carvalho, ideólogo da direita bolsonarista alertou, desde cedo, que a vitória eleitoral de 2018 não representava a conquista do poder real. Governo não é hegemonia. O bolsonarismo confundiu mobilização digital com liderança, indignação com estratégia e intensidade retórica com construção institucional. O poder, no Brasil, encontra-se ancorado nas estruturas que moldam linguagem e consciência coletiva: universidades, imprensa, Judiciário e cultura. É nesse ambiente que persiste um marxismo cultural difuso, herança da Guerra Fria e alimentado por uma sociologia marcada pelo ressentimento estrutural de um país desigual. Tremendamente desigual.
A elite econômica brasileira tampouco se dispôs a disputar o país. Historicamente adaptada aos governos eleitos, preservou sobrevivência e prioridades imediatas; e evitou confrontos intelectuais de longo prazo. Assim, iniciativas destinadas a romper o distributivismo e promover um país rico com povo rico sempre encontraram a barreira de uma classe dominante menos disposta a disputar modelos de desenvolvimento.
A formulação mais robusta da nova direita foi a agenda econômica de Paulo Guedes, tecnicamente sólida e alinhada ao liberalismo contemporâneo e a luta pela competitividade da economia brasileira. No entanto, reformas sem narrativa e capacidade de reverberação, tem dificuldade de sobreviver, e mudanças econômicas desprovidas de sustentação cultural tendem a se dissipar. A Lava Jato, que por um momento reuniu moralidade pública e clamor social por mudança, também se perdeu. Faltou compreensão das regras institucionais e capacidade de converter indignação moral em política pública estruturada.
A fragilidade intelectual da direita reapareceu de forma clara na recente vitória na votação da lei ambiental. Durante anos, sem legislação, o país viveu sob um caos jurídico no licenciamento que atrasava obras e investimentos, enquanto o governo do PT evitava o debate; como já fizera em momentos cruciais, entre eles o Plano Real e o Código Florestal. Este último, elaborado por Luiz Henrique da Silveira no Senado e Aldo Rebelo na Câmara, tornou-se referência internacional por equilibrar proteção e produção. Ainda assim, a direita não conseguiu transformar essa conquista em narrativa nem capital político.
O alerta de Carvalho sobre a superficialidade da direita torna-se particularmente visível no caso de Santa Catarina, e o estranho caso de Carlos Bolsonaro virando político em eleição majoritária em Santa Catarina. O estado que lidera os principais indicadores sociais e econômicos do Brasil, resultado de uma cultura política liberal, de um setor privado inovador e de redes municipais eficientes, viu-se recentemente pressionado por uma política baseada no antagonismo e no ruído. Santa Catarina representa, de forma rara, o que a direita afirma defender, constataria Olavo de Carvalho. Economia aberta, educação acima da média nacional, segurança pública elevada, industrialização diversificada e forte imigração produtiva. Transformar esse estado em palco de disputas culturais radicais pode ser artificial e contraproducente. A chegada de Carlos Bolsonaro, que tem alto valor na luta pelo bolsonarismo, simboliza esse desencontro entre uma política de mobilização digital e um território moldado pela eficiência. É como se o ambiente superficial previsto por Olavo alcançasse o estado que mais resistia a ele, revelando a persistente fragilidade intelectual da nova direita.
Hoje, parte da direita ainda aposta em soluções externas, como o eventual retorno de Donald Trump à Casa Branca, numa expectativa que contraria o princípio de autonomia defendido pelo próprio Olavo. O problema permanece interno: falta pensamento, falta formulação , falta elite , falta institucionalidade. O governo republicano norte-americano tem sua estratégia, com a volta da Doutrina Monroe com a ideia das Américas para os americanos. Esse é o fato "lotérico" do jogo que poderá ou não, dar um novo empuxo a direita .
Olavo de Carvalho previu que a esquerda voltaria ao poder. A demolição da esquerda promovida pelo bolsonarismo e pela Lava Jato foi intensa, mas a construção não veio a tempo . Não que fosse fácil. Enquanto a direita não transformar energia em estrutura, indignação em pensamento e votos em poder real, poderá disputar o futuro, poderá ganhar mas poderá não levar.
*Vinícius Lummertz é Senior Fellow do Milken Institute, foi ministro do Turismo e secretário de Turismo e Viagens de São Paulo.