Madame Bolsonaro diz que a vida piora por causa do acordo de seu partido com Ciro Gomes, que a aliança tem pecado e que devia acabar. Devidamente adaptado, o samba de Janet de Almeida e de Haroldo Barbosa ajuda a entender a surpresa e a indignação no PL com a bronca pública que Michelle Bolsonaro deu no presidente-dono do PL, Valdemar Costa Neto — o motivo alegado foi a decisão dele de apoiar a candidatura de Ciro (agora de volta ao PSDB) ao governo cearense.
Ela também não poupou o presidente regional do partido, o deputado André Fernandes, que aceitou o trato com Ciro e quer fazer do pai candidato ao Senado. Michelle quer que destinar a vaga para uma vereadora amiga de fé, irmã camarada e defende o apoio do PL ao senador Eduardo Girão (Novo) para o governo.
Presidente do PL Mulher, Michelle arrumou outros problemas ao se imiscuir em outras disputas regionais, como em Santa Catarina e no Distrito Federal. Uma movimentação nacional que indica sua vontade de concorrer à Presidência ou, pelo menos, garantir um posto de vice.
Os enroscos onfirmam o risco de se entregar o protagonismo político para pessoas de fora do universo político. Por mais que se apresentasse como outsider, Jair Bolsonaro carregava nas costas sete mandatos de deputado ao tentar o Planalto. Apesar de todo seu radicalismo, ele não demorou para construir alianças com o Centrão. Sua decisão de apoiar o acordo com o Ciro reforça que ele aprendeu a jogar o jogo.
Ungida na política graças ao casamento, Michelle, carismática e ótima oradora, é bela e do lar, mas também é do púlpito e do palanque. Ao entrar na briga respaldada principalmente pelo eleitorado evangélico, fica menos sujeita a pressões aplicáveis aos protagonistas da política, ainda que seus voos pelo país sejam bancados pelo caixa do PL, por Valdemar, aquele que, segundo Michelle, não fala por ela: não fala, mas é quem a financia.
Confinado a uma suíte da Polícia Federal, Bolsonaro experimenta a sensação já vivida por outros apenados. Presos, descobrem a inversão da lógica machista; soltas, livres para ir e vir, suas mulheres é que passam a ter o papel decisivo na relação, não dá para mantê-las nas quatro linhas.
Ontem, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), não por acaso de depois de se encontrar com o pai, pediu desculpas a Michelle, mas sua reação na véspera mostrou que ele, o partido e dois dos seus irmãos querem impedir a criação de um movimento pró-Michelle que tem potencial para se tornar incontrolável.
Como no samba, madame não gosta que ninguém sambe de um jeito que não correponda às suas expectativas, anda dizendo que o samba do PL desafinou, deu vexame. Bolsonaro & Filhos tentaram evitar discutir com Michelle que, para eles, agora só fala veneno.
Entre mil apertos, querem manter o controle do desfile na avenida eleitoral, tentam mostrar que madame tem um parafuso a menos ao classificar de música barata a partitura pragmática seguida e regida por Valdemar. Este, por sua vez, não quer ficar como o conhecido pedreiro homônimo, personagem do samba de Roberto Martins e Wilson Baptista — fazia casas e acabou não tendo onde morar.