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Cerco e silêncio: o custo humano da resistência em Gaza

Comunicador em causas sociais destaca desafios das missões humanitárias em Gaza | Foto: Imagem de freepik

As narrativas que emergem das missões humanitárias rumo a Gaza mostram uma realidade que muitos preferem não encarar: a violência sistemática contra ativistas e, sobretudo, contra o próprio povo palestino, mantido sob um cerco que já ultrapassa limites morais e jurídicos há décadas.

Em entrevista com o ativista Thiago Ávila, o único brasileiro na Flotilha Global Sumud, puder perceber os testemunhos de quem tentou romper esse bloqueio, como o relato da experiência no Mavi Marmara, na missão Handala e na Flotilha Global, revelam um quadro alarmante de violações que não podem ser relativizadas nem esquecidas.

É sintomático que ativistas internacionais, amparados pela atenção da imprensa mundial, enfrentem práticas que vão de isolamento forçado a violência física, passando por tortura psicológica, privação de sono, interrogatórios abusivos e ameaças diretas às famílias.

Ainda na nossa conversa, Ávila lembrou que essas pessoas, muitas estrangeiras, foram submetidas a solitárias, espancamentos, horas em condições degradantes e intimidação armada com cães, lasers e equipes táticas, é inevitável perguntar: o que acontece quando não há câmeras? Quando os detidos são palestinos anônimos, sem embaixadas para denunciar seu desaparecimento?

A resposta surge de maneira brutal no próprio relato: os prisioneiros palestinos, mais de 11 mil, incluindo cerca de 400 crianças, enfrentam torturas ainda mais severas, incluindo assassinatos. Se as celas são “esvaziadas” para receber estrangeiros, é porque o horror cotidiano vivido ali não pode ser testemunhado por olhares externos. E isso revela não apenas a violência institucionalizada, mas também a tentativa calculada de ocultá-la.

Outro ponto que deve ser destacado é a privação extrema de itens essenciais, uma prática que viola frontalmente o direito internacional humanitário. Medicamentos são negados mesmo aos doentes, e não se trata de casos isolados: trata-se de um método. A privação deliberada de cuidados médicos constitui uma forma de tortura silenciosa, mas devastadora, que adoece, enfraquece e humilha. Em Gaza, onde o sistema de saúde está colapsado há anos, negar remédios é negar vida.

A tortura psicológica também aparece como instrumento recorrente: longos interrogatórios, ameaças à integridade física e emocional, privação de sono, humilhações públicas e a imposição de posições de submissão, como permanecer de bruços no chão por longos períodos. Tudo isso não apenas fere corpos; destrói subjetividades, corrói identidades e tenta extinguir qualquer forma de resistência.

Mas talvez o elemento mais perturbador no conjunto desses relatos seja a naturalização dessas violações. Quando ativistas de dezenas de países são agredidos e ameaçados em plena luz internacional, e quando denúncias caem no vazio político global, transmite-se uma mensagem perigosa: a de que há vidas consideradas indignas de proteção, indignas de direitos e até indignas de luto.

É por isso que esses testemunhos precisam ecoar. Não como meras memórias de sofrimento individual, mas como denúncias vivas de um sistema de repressão que se perpetua à sombra da complacência internacional. A coragem de quem tenta romper o cerco físico e simbólico de Gaza, enfrentando isolamento, violência e privação, expõe uma verdade incontornável: não há justificativa moral para a tortura, para o abuso institucional ou para a transformação de civis e crianças em inimigos a serem castigados.

A luta humanitária não é apenas por permitir a entrada de barcos, medicamentos ou alimentos. É por romper o cerco da indiferença. Enquanto o mundo se cala, vidas seguem sendo esmagadas em prisões como Ketziot, onde a brutalidade contra palestinos permanece invisível. E é justamente por isso que esses relatos precisam ser amplificados, para que, ao menos, ninguém possa alegar que não sabia.

*Por: Caio Barroso, Comunicador digital em causas sociais, advogado pela UNIRIO e colunista da TV BRICS