Por: Vinícius Lummertz*

A sucessão dos improváveis e o fracasso das previsões

Se ouvimos as tentativas de previsões antecipadas pelos analistas para a próxima eleição presidencial, percebemos sempre o mesmo tom seguro, como se o Brasil fosse governado por uma lógica previsível, estável e institucionalmente contínua. Mas a história política brasileira mostra exatamente o contrário. Poucos países apresentam uma desconexão tão grande entre previsões e resultados. Aqui, os favoritos raramente vencem; os improváveis quase sempre encontram o caminho do poder. A sucessão presidencial brasileira é marcada por rupturas, acasos e rearranjos que desafiam qualquer modelo racional ou expectativa construída pelos observadores tradicionais.

O padrão se repetiu ao longo de toda a Nova República. Quem está no radar raramente vence; quem não está frequentemente surpreende. Analistas se apoiaram em máquinas partidárias, alianças regionais, estruturas de campanha e tempo de televisão, mas a verdade é que o país opera segundo outra lógica, mais caótica e mais sensível às tensões históricas e emocionais da sociedade brasileira. Poucas democracias relevantes têm dinâmica tão descontínua quanto a nossa, e essa descontinuidade se manifesta em praticamente todas as transições presidenciais.

A lista de presidentes improváveis é extensa e elucidativa. Jair Bolsonaro, sem estrutura partidária, sem tempo de TV e sem apoio institucional, emergiu em 2018 graças ao colapso das forças políticas tradicionais, ao desgaste ético da classe dirigente e ao ambiente emocionalmente inflamado das redes sociais. Em 2022, o improvável se repetiu de modo inverso. Luiz Inácio Lula da Silva, recém-saído da prisão e inelegível meses antes, retornou ao Planalto numa circunstância que qualquer leitura racional teria considerado impossível pouco tempo antes. O fato de dois resultados tão improváveis terem ocorrido em sequência mostra que o Brasil opera fora dos padrões de previsibilidade que caracterizam outras democracias.

Antes deles, Dilma Rousseff, tecnocrata sem carreira eleitoral, chegou à Presidência por decisão pessoal de Lula num partido que, ao longo de décadas, não conseguiu formar sucessores competitivos. Fernando Collor, alçado pela televisão e por um ambiente de desorganização partidária, derrotou lideranças muito mais estruturadas. Itamar Franco, vice discreto, assumiu após a queda de Collor, que abrira o mercado de forma radical; e realizou um dos governos mais decisivos do período democrático ao dar autonomia ao Ministério da Fazenda e permitir o nascimento do Plano Real. Dessa iniciativa surgiria Fernando Henrique Cardoso, outro nome improvável até assumir a Fazenda, que acabaria eleito presidente e conduziria a agenda de modernização econômica mais abrangente desde o fim do regime militar. Michel Temer, vice sem base eleitoral robusta, assumiu em meio a uma crise profunda, recuperou o país de uma recessão de quase oito por cento do PIB, fez reformas decisivas, e entregou juros de seis e meio por cento, o menor patamar da história recente. Seu governo, embora breve, mostrou a potência transformadora que pode emergir exatamente quando o previsível se esgota.

No início da Nova República, José Sarney tornou-se presidente de forma inesperada após a morte de Tancredo Neves. Sua ascensão expressa esse traço brasileiro de que não assume necessariamente o previsto, mas sim o possível naquele instante histórico. Há ainda uma exceção estrutural relevante, que confirma a regra geral. As vitórias de Lula em 2002 e 2006 pertencem à lógica histórica do pós-ditadura. Foram resultado de um longo ciclo de reorganização social, sindical e política que começou no início dos anos 1980 e que consolidou o PT como força nacional. A chegada de um líder popular ao Planalto, naquele momento, era coerente com a trajetória do país. Mas é apenas uma entre muitas outras sucessões que se desviaram radicalmente de qualquer previsibilidade.

No contraponto dos improváveis que chegaram ao poder, há a lista igualmente marcante dos prováveis que não se elegeram. Ulysses Guimarães, Mário Covas, Leonel Brizola, Aureliano Chaves, José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves tinham densidade política, trajetória histórica e presença nacional para ocupar a Presidência em qualquer sistema político estável. Em democracias mais previsíveis, todos poderiam ter sido presidentes. No Brasil, porém, a estrada dos prováveis se desfaz diante de crises, rupturas partidárias, confrontos internos, fragmentação ideológica e choques de conjuntura que reconfiguram o tabuleiro eleitoral de maneira brusca.

Essa irregularidade não desapareceu com o tempo. Ela se reproduziu nos estados, inclusive em São Paulo, tradicionalmente mais previsível. João Doria surgiu como outsider e venceu avassaladoramente duas disputas importantes. Tarcísio de Freitas, desconhecido até meses antes, tornou-se governador com ampla margem. A ascensão repentina de Pablo Marçal redesenhou a disputa municipal da capital, enfrentando Ricardo Nunes com força incomum. Em vários estados, fenômenos semelhantes ocorreram, desmontando estruturas que, segundo os modelos tradicionais, deveriam permanecer dominantes.

Nos ciclos mais recentes, essa imprevisibilidade histórica passou a ser amplificada por um segundo vetor decisivo: a política mediada pelas redes sociais. O ambiente digital opera por estímulos emocionais que alteram o comportamento eleitoral. A dopamina favorece mensagens rápidas e altamente recompensadoras; a adrenalina amplifica o conflito e dá visibilidade a discursos polarizados; o cortisol aumenta a sensibilidade do eleitor a mensagens de ruptura; e microcomunidades digitais criam lealdades instantâneas a lideranças emergentes. O efeito combinado é uma aceleração dos improváveis e um enfraquecimento dos trajetos tradicionais construídos ao longo de décadas.

No centro de tudo permanece o elemento estrutural: o Brasil não forma sucessores. Os partidos carecem de continuidade programática, liderança de longo prazo e cultura organizacional capaz de produzir nomes consistentes para a Presidência. São máquinas de curto ciclo, voltadas à sobrevivência imediata e muitas vezes dependentes de personalidades. Onde não há sucessão organizada, aparece o vácuo. E onde há vácuo, o improvável ocupa o espaço.

É verdade que outras democracias também produzem surpresas. Barack Obama e Donald Trump são exemplos disso nos Estados Unidos. Mas lá a imprevisibilidade é episódica. Aqui ela é sistêmica. Lá as estruturas partidárias do bipartidarismo organizam expectativas e delimitam o campo do possível. Aqui elas se desfazem e se recombinam continuamente.

O resultado é claro. No Brasil, previsões eleitorais servem menos para antecipar o futuro e mais para preencher espaço no debate público, até o período de desincompatibilizações. Até lá o país opera segundo sua própria lógica, onde o previsto frequentemente se desmancha e o improvável assume o comando. A história mostra que, em nossa democracia descontínua e porosa, são justamente os improváveis que definem os rumos da República e que, muitas vezes, entregam as transformações que os prováveis nunca conseguiram realizar.

*Vinícius Lummertz é Senior Fellow do Milken Institute, foi ministro do Turismo e secretário de Turismo e Viagens de São Paulo.