Por: Vinícius Lummertz*

O faz-de-conta indígena brasileiro

A invasão do evento preparatório da COP-30 em Belém por um grupo de indígenas revelou mais uma vez a desorganização e o improviso com que o Brasil trata um tema decisivo. Ninguém sabe ao certo se havia manifesto, quem representava quem, quais eram as reivindicações, quem motivou o ato ou o que ele realmente pretendia. A imprensa noticiou o episódio como mais uma curiosidade da conferência, e o país seguiu adiante. Nenhuma pergunta ficou respondida.

O mesmo roteiro já havia se repetido na crise sanitária dos yanomami, transformada em espetáculo de indignações e disputas partidárias. Passado o alarde, nada foi resolvido: a assistência continuou precária, a mortalidade infantil elevada e o garimpo ilegal avançando. O tema indígena no Brasil funciona assim, entra e sai de cena sem resultados, mobilizando emoções, mas não políticas.

A diferença entre o que o país diz e o que faz é reveladora. No Brasil, as terras indígenas ocupam 13,7% do território nacional, a maioria na Amazônia. Nos Estados Unidos, as reservas somam 2,3% do território, e ainda assim os povos nativos de lá vivem muito melhor: a renda mediana anual é de cerca de US$ 50 mil, enquanto 41% dos indígenas brasileiros vivem com menos de um quarto do salário-mínimo. Lá, participam da economia, administram cassinos, parques naturais, universidades, bolsas de estudo e empreendimentos turísticos que somam US$ 43 bilhões por ano. Aqui, continuam dependentes do Estado.

Não é falta de recursos nem de território. É falta de política. No Brasil, o debate sobre os indígenas é feito num tom de paternalismo, por ONGs, partidos e até pela realeza estrangeira. O príncipe William, ao dizer que "os povos indígenas são os guardiões da floresta", reforçou a visão simbólica, bonita, mas inócua. Também equivale perguntar se os anglo-saxões gostariam de voltar a viver em casas de pedra. A imprensa ecoa, as conferências aplaudem, e seguimos no faz-de-conta.

A cultura popular, infelizmente, já traduz essa contradição há décadas. A frase de marchinha: "índio quer apito, apito; se não der, pau vai comer", expressão popular anônima dos anos 1970, carrega em poucas palavras o preconceito e a infantilização que ainda moldam o imaginário brasileiro. Ela sintetiza o erro: tratar os indígenas como problema, não como cidadãos; como assunto folclórico, não como parceiros de desenvolvimento.

As pesquisas mostram o contrário. Levantamento Datafolha e CNA com mais de mil indígenas revela que suas prioridades são claras: educação, saúde, trabalho e voz nas decisões. Oitenta e oito por cento dos brasileiros defendem que eles sejam consultados sobre obras e políticas que os afetem, princípio previsto na Convenção 169 da OIT. Portanto, já sabemos o que eles querem. Falta vontade política para transformar desejo em plano.

E plano é justamente o que falta também à Amazônia. O país repete o mantra de que "a floresta em pé vale mais do que a floresta derrubada", mas não cria cadeias produtivas sustentáveis, nem infraestrutura verde, nem segurança pública. O tráfico, o garimpo e as facções controlam boa parte da região, ameaçando a soberania nacional. Enquanto isso, multiplicam-se fundos e anúncios, mas sem diretrizes nem metas. Como cobrar?

O Brasil precisa levar esse tema a sério. Mais de 13 por cento do território nacional permanecem paralisados, sem uso sustentável, enquanto o modelo americano, com 2,3% de território indígena e renda crescente, mostra que é possível conciliar cultura, economia, turismo e autonomia. Nossa incapacidade de planejar explica não apenas o atraso indígena, mas o atraso nacional.

Querer que os indígenas brasileiros, por predomínio moral da visão esquerdista de Rousseau, que em "O Bom Selvagem" idealizou a pureza humana a partir do índio brasileiro que jamais conheceu, abandonem o progresso e fiquem presos ao passado é o mesmo que pedir que suecos, dinamarqueses e noruegueses deixem suas sociedades modernas para voltarem a ser vikings em barcos a remo invadindo países. O mundo tem que andar para frente, não para trás.

É hora de romper o faz-de-conta. O país precisa de um Plano Amazônia Integrado, com metas de renda, educação, saúde e sustentabilidade, e com participação direta dos povos indígenas em sua elaboração e gestão. Um plano de verdade, com prazos, indicadores e responsabilidades. Só assim deixaremos de tratar a questão indígena como espetáculo e passaremos a tratá-la como política de Estado. Vamos parar de usar e sacanear os indígenas, por favor. Ninguém mais acredita.

*Vinícius Lummertz é Senior Fellow do Milken Institute, foi ministro do Turismo e secretário de Turismo e Viagens de São Paulo.