Por: Vinícius Lummertz*

Quem é conservador no Brasil?

O conservadorismo clássico, como formulou Edmund Burke, é prudência diante da mudança, não medo dela. É a defesa do que deve ser preservado, sem negar a evolução. No Brasil, o conceito foi distorcido. O que se chama de conservadorismo tornou-se resistência à realidade, uma forma de paralisia que atinge tanto a direita quanto a esquerda. Ambas vivem como reflexos da simplista década de 1960, tentando resolver dilemas do século XXI com ideias que já não explicam o presente.

A tragédia recente no Rio de Janeiro, o maior confronto entre forças policiais e o crime organizado da história, revela essa falência intelectual. O país assiste à explosão de uma nova brutalidade social, enquanto o debate público continua aprisionado por velhos discursos. A direita mais extrema enxerga mais o confronto armado e o apelo à força. A esquerda, que se autoproclama progressista, repete que não há criminosos, apenas pessoas sem oportunidade. Essa tese, além de moralmente simplista, é politicamente irresponsável. O crime organizado é uma estrutura de poder e economia paralela, não um fenômeno sentimental. É regime opressor, tal qual o Hamas, com as devidas diferenças. O progressismo brasileiro, em grande parte, ficou nu. Seu discurso humanista foi capturado pelo próprio atraso. É um progressismo reacionário, que evita reconhecer a gravidade do colapso social, preferindo slogans à realidade. O que deveria ser um projeto de futuro tornou-se uma forma de negar o presente.

Raymond Aron advertia que as ideologias são narcóticos da razão. No Brasil, direita e esquerda seguem intoxicadas por ideias mortas. A direita teme o novo porque confunde mudança com perda de autoridade. A esquerda teme a reforma porque teme a liberdade que ela traz. Ambas se defendem da modernização como se a transformação fosse uma ameaça à própria identidade. O resultado é um país imóvel, que não aprende nem evolui, mesmo diante de suas tragédias. O imobilismo dos modelos mentais é sintoma de uma nação que se habitua ao absurdo e adia o inevitável. E esse imobilismo pode atrasar a oferta de aprendizado que tivemos com o episódio do Rio. O conflito, em vez de gerar reflexão e reforma, corre o risco de ser desperdiçado como mais um alerta ignorado do apodrecimento do país.

Em The Tipping Point (O Ponto de Virada), Malcolm Gladwell descreve como o comportamento coletivo muda quando a soma das pequenas desordens ultrapassa um limite invisível. Ele lembra o caso de Bernhard Goetz, que em 1984 atirou em quatro jovens no metrô de Nova York após uma tentativa de assalto. Para Gladwell, o episódio simbolizou o ponto de inflexão psicológico de uma cidade dominada pelo medo e pela impunidade. O crime, ele explica, se comporta como uma epidemia social: cresce quando o contexto o permite. Foi a partir dessa ideia que Nova York adotou a política de tolerância zero, baseada na teoria das janelas quebradas, segundo a qual pequenas desordens geram grandes crimes se o ambiente as tolera. O Brasil vive hoje o oposto dessa experiência. Em vez de reagir ao caos, o normalizamos. Quando a desordem se torna rotina, a decadência se institucionaliza. O nosso caso vai muito além do caso de NY; o nosso é único, escabroso, e pior do mundo. Como vamos deixar crescer e normalizar?

A esquerda brasileira, especialmente, tornou-se refém do seu conservadorismo econômico e moral. Mantém juros estratosféricos, impostos que sufocam a produção e burocracias que impedem o crescimento, tudo em nome de uma suposta justiça social que nunca chega. Empresas pagam 25% ao ano para financiar o investimento, e os juros do consumo ultrapassam 300%. É um modelo que protege o sistema financeiro, não o povo. Ao resistir à modernização, o PT tornou-se aquilo que dizia combater: um partido conservador, moralista e paralisante. Norberto Bobbio lembrava que a distinção entre direita e esquerda é a atitude diante da desigualdade. No Brasil, essa fronteira se dissolveu. O reacionário de direita e o dogmático de esquerda se encontram no mesmo ponto: o da negação da realidade. Um confunde moral com salvação; o outro, discurso com virtude. Ambos atrasam as soluções concretas que o país precisa.

O verdadeiro conservadorismo é o que protege o essencial para que o novo floresça. Roger Scruton dizia que conservar é amar. É preciso conservar o que dá coesão, mas ousar mudar o que mantém o país no atraso. O Brasil precisa de uma nova mentalidade, moderna e pragmática, capaz de enfrentar a brutalidade social com ordem, eficiência, segurança e liberdade. Este seria o verdadeiro ponto de virada nacional: a superação do imobilismo moral e intelectual que bloqueia o avanço.

Mas talvez a disputa política e o nosso tipo de jornalismo ajudam pouco para que esse debate aconteça com a profundidade necessária. Em vez de aproveitar o momento para aumentar os níveis de consciência, transformamos cada tragédia em palco de discursos automáticos e narrativas repetidas. Quanto mais tarde o país sentar-se para conversar com lucidez sobre o que está acontecendo, pior será. O Brasil está no seu ponto de virada, seu "tipping point". Resta saber se reagirá antes que a decadência se torne irreversível ou muito mais cara e violenta para resolver. O fato e que a Nação está sendo humilhada, mas muitos querem fingir que não.

*Vinícius Lummertz, cientista político, foi ministro do Turismo, secretário de Turismo de São Paulo, presidente da Embratur e é Senior Fellow do Milken Institute (EUA).