Em 31 de março de 1964, horas antes do golpe de Estado no Brasil, a cúpula militar norte-americana havia deflagrado a chamada "Operação Brother Sam".
Conta o historiador Carlos Fico, da UFRJ, no livro "O Grande irmão - Da Operação Brother Sam aos Anos de Chumbo: O governo dos Estados Unidos e a ditadura militar brasileira", que ali os EUA decidiram enviar ao Brasil um aparato de apoio ao golpe urdido por militares brasileiros.
Vieram um porta-aviões, um porta-helicópteros, um posto de comando aerotransportado, seis contratorpedeiros (dois equipados com mísseis teleguiados) carregados com cerca de 100 toneladas de armas (inclusive um tipo de gás lacrimogêneo para controle de multidões chamado CS Agent) e quatro navios-petroleiros que traziam combustível para o caso de um eventual boicote do abastecimento pelas forças legalistas.
O porta aviões USS Forrestal e os fuzileiros não chegaram ao Brasil. No dia 2 de abril o primeiro presidente do regime militar, Humberto Castelo Branco, avisou aos norte-americanos que já não precisaria do suporte dos EUA.
Agora a história está quase se repetindo: o presidente dos EUA mandou para a proximidade da Venezuela o destróier USS Gravely acompanhado de um grupo de mariners.
Estão atracados nas águas de Port of Spain, Trinidad Tobaco, em frente à Venezuela. Prontos para agir assim que o presidente norte-americano determinar.
Os EUA já reuniram uma força composta por navios de guerra, caças, bombardeiros, fuzileiros navais, drones e aviões espiões na região. O próprio Trump chegou a admitir ter autorizado operações secretas e terrestres na Venezuela da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês).
A união desses dois fatos - 1964 no Brasil e a Venezueka agora - tem levado os diplomatas brasileiros a lembrar ao Planalto a célebre frase de Karl Marx no livro 18 Brumário de Luís Bonaparte, em que ele citou um filósofo alemão: "Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa."
De início, o governo brasileiro assistiu às movimentações de Donald Trump na Venezuela como uma farsa, mas agora começa-se a analisar que ali talvez esteja em curso uma tragédia: esta será, se completada, a primeira grande intervenção militar dos Estados Unidos na América do Sul.
Para o governo brasileiro, já dá para encarar como um risco real a situação, e que a intervenção precisa a todo custo ser evitado pela diplomacia.
Daí o oferecimento que o presidente Lula fez a Trump de intermediar as negociações entre EUA e Venezuela, quando os dois se encontraram na Malásia.
O Brasil considera fundamental evitar o conflito, não só pelos 2.200 km de extensão da fronteira do país com a Venezuela, mas para preservar ao máximo o caráter historicamente pacífico da geopolítica na região,.
Ainda mais por causa das descobertas de que a Margem Equatorial do Brasil, o litoral da Guiana e da Venezuela podem tornar aquela área como a região mais importante do mundo em termos de reservas petrolíferas.
As ambições econômicas que este tipo de situação desperta transformaram o Oriente Médio num barril de pólvora que até hoje ameaça o mundo.
O risco é real.