Sem visão de conjunto, o Brasil se tornou uma nação que desconfia da eficiência, evita a produtividade e teme mudar, enquanto o mundo avança.
Seríamos nós um país fadado a não ter uma visão de conjunto, um sentimento de conjunto? Um país de particularismos, de interesses setoriais, corporativos, individuais, familiares , sem uma capacidade real de pensar o todo? Talvez aí resida a raiz de nossa estagnação: na ausência de um projeto comum. Por isso nos afastamos do sentido mais elevado de produtividade e competitividade , não como ameaças, mas como conceitos benéficos, motores de prosperidade nacional. O problema do Brasil é menos econômico do que psicológico e político: somos um país que desconfia da eficiência e que prefere a proteção à superação.
Custos de transação são a expressão mais concreta dessa desordem. São os custos de "fazer o mercado funcionar", tudo aquilo que se paga além do preço do produto ou serviço em si. O conceito foi definido por Ronald Coase, Prêmio Nobel de 1991, no clássico The Nature of the Firm (1937), para explicar por que as empresas existem. Se fosse custo zero negociar, contratar, fiscalizar, não haveria firmas , apenas trocas livres no mercado. Décadas depois, Oliver Williamson, também Nobel, mostrou que os custos de transação são o verdadeiro cimento , ou areia , do sistema econômico: quando baixos, o mercado flui; quando altos, ele emperra. No Brasil, esse cimento virou lama.
Esses custos estão em todos os degraus da escada produtiva: na abertura de empresas, no licenciamento ambiental, no sistema tributário, na justiça trabalhista, na morosidade judicial, no crédito e até no turismo. Segundo o relatório Doing Business in Brazil, abrir uma empresa no país ainda leva 17 dias e 11 procedimentos, enquanto na média da OCDE são 4,5 dias e 5 procedimentos. Registrar uma propriedade exige 13 etapas e mais de 30 dias, contra menos de 10 em economias avançadas. O custo de conformidade tributária é o maior do mundo: 1.501 horas por ano para calcular, declarar e pagar impostos, contra 175 horas nos Estados Unidos e 105 na Coreia do Sul. O licenciamento ambiental, embora essencial, é um dos mais lentos do planeta. Um projeto de energia solar pode levar anos para obter aval de órgãos distintos, sem integração digital ou previsibilidade. No turismo, isso custa oportunidades: um resort ou marina leva de quatro a cinco anos para sair do papel, enquanto em destinos concorrentes leva metade do tempo. No comércio exterior, exportar ou importar uma carga no Brasil leva 13 dias, contra apenas dois na média da OCDE. Startups enfrentam meses de espera para registrar patentes, e obras públicas tropeçam num emaranhado de controles e medos, o "apagão das canetas". O resultado é uma economia pesada, de atrito permanente. O FMI e a OCDE estimam que a ineficiência burocrática e regulatória reduz nossa produtividade em um a dois pontos percentuais por ano. Isso é o mesmo que dizer que o Brasil perde um PIB inteiro a cada década apenas por falta de eficiência.
A produtividade, medida de quanto cada trabalhador produz por hora, é o coração da prosperidade. Nos Estados Unidos, a média é de 80 dólares por hora, segundo o U.S. Bureau of Labor Statistics. No Brasil, é de apenas 16 dólares, segundo o Ipea. Essa diferença de cinco vezes explica por que o salário médio americano é de 4.500 dólares mensais, enquanto o brasileiro gira em torno de 800. Um trabalhador americano, em uma hora, gera o mesmo valor que um brasileiro em um dia inteiro. Isso não ocorre porque o americano trabalha mais, mas porque trabalha num ambiente de menos fricção — com infraestrutura eficiente, impostos simples, crédito acessível e justiça previsível. Lá, a produtividade recompensa o esforço; aqui, a burocracia o castiga. Cada obstáculo, atraso ou insegurança jurídica é um tributo invisível sobre o salário de todos nós.
Em 1980, o PIB da China era praticamente igual ao do Brasil, cerca de 200 bilhões de dólares. Quarenta anos depois, a economia chinesa é mais de 20 vezes maior. Não se trata de um milagre oriental, mas de um processo contínuo de reformas econômicas e institucionais. Desde Deng Xiaoping, a China reformou sua agricultura, abriu zonas econômicas especiais, atraiu investimento estrangeiro, liberalizou o câmbio, investiu em infraestrutura, educação e inovação. Cada década trouxe um novo ciclo de simplificação e expansão. O país não hesitou em mudar o que não funcionava: transformou estatais, modernizou o sistema financeiro, criou universidades tecnológicas e redes logísticas globais. O Brasil, no mesmo período, fez menos de dez grandes reformas estruturais — e mesmo assim, cada uma delas deu frutos. Sob Fernando Henrique Cardoso, o país estabilizou a moeda com o Plano Real, controlou a inflação, criou a Lei de Responsabilidade Fiscal e consolidou as bases da economia moderna. Sob Michel Temer, avançou com as reformas trabalhista e previdenciária e iniciou a modernização do ambiente de negócios. Ambas mostraram que, quando o país decide agir, os resultados aparecem rapidamente.
O problema é o ritmo. Enquanto a China faz reformas todos os anos, o Brasil discute cada uma por uma década. Enquanto eles constroem pontes, nós criamos comissões. E enquanto lá se multiplicam os investimentos em infraestrutura e tecnologia, aqui se multiplicam os carimbos e as restrições. É a diferença entre uma cultura da ação e uma cultura da paralisia. Apesar disso, há avanços que provam que é possível mudar. O governo digital, sobretudo em estados como Santa Catarina — que já digitalizou 90% dos serviços públicos —, tem mostrado ganhos reais de produtividade. No setor financeiro, o Pix eliminou custos de transação monetária e expandiu a inclusão bancária. A nota fiscal eletrônica simplificou processos, e a reforma tributária, se bem implementada, pode ser o divisor de águas ao transformar um sistema caótico em um IVA nacional simples e transparente.
Mas o essencial ainda falta: o Brasil precisa reconciliar-se com a ideia de que produtividade e competitividade não são inimigas do social — são suas aliadas. Países que prosperam são aqueles que criam riqueza antes de distribuí-la. Aqui, tentamos distribuir o que não produzimos. Produtividade não é exploração; é libertação. É o que transforma esforço em prosperidade, talento em salário e trabalho em dignidade.
Seríamos nós, então, um país fadado a não ter uma visão de conjunto? Talvez. Enquanto não entendermos que produtividade e competitividade são virtudes coletivas e não ameaças individuais , continuaremos a ser uma nação de ilhas: cada uma defendendo seu pequeno privilégio, enquanto o barco inteiro deriva lentamente. O Brasil precisa encontrar ou reencontrar o sentido de conjunto , o único capaz de transformar o custo Brasil em valor Brasil.
*Cientista Político. Foi Ministro do Turismo e Presidente
da Embratur