Por: Vinícius Lummertz*

Vinicius Lummertz | Brasil, aonde os avós sacrificam os netos

Dia da Independência do Brasil com riscos de violência | Foto: Reprodução

O maior risco que o Brasil enfrenta hoje não é uma tarifa ou uma fala de cúpula. É o risco civilizacional de viver preso ao passado. Tanto a parte da direita quanto da esquerda brasileira ainda operam , hoje, a partir de lentes formadas no século XX — ou pior, no século XIX. O debate público gira em torno de ícones e inimigos que já não existem, ou que se transformaram profundamente. - O que os nossos filhos e netos ganham com isso?

Na extrema direita, há um fetiche persistente por 1964. Não raro, setores conservadores ainda tratam o golpe militar como modelo de ordem, progresso e crescimento. O Autoritarismo — que teve seus ótimos momentos de crescimento econômico, sim, mas ao custo da supressão de liberdades e da institucionalidade — é lembrada como um ideal de estabilidade, como se o tempo não tivesse passado, como se os desafios do Brasil em 2025 fossem os mesmos da Guerra Fria. Não são.

A lógica internacional mudou. Naquele tempo, os Estados Unidos apoiavam regimes militares como parte de uma estratégia para conter o avanço soviético. Hoje, os EUA não apenas abandonaram essa lógica — eles a condenam. Washington, especialmente após os anos 2000, redefiniu sua política externa: o apoio a democracias liberais passou a ser o eixo central de sua influência global. Isso os diferencia de potências centralistas , como Rússia e China ; e é isso que "esperam" do Brasil , que sejamos uma democracia estável, previsível, funcional. Não mais um regime de força, ainda que "ordeiro".

Reviver ou romantizar o passado , pois , não é apenas anacrônico, mas profundamente prejudicial à imagem e às aspirações internacionais do país.

Por outro lado, a esquerda brasileira também opera em modo vintage. Discursos anti-imperialistas, retórica de soberania nacional com moldura de 1970, adesão automática a slogans da "resistência" internacional — mesmo quando isso significa defender ditaduras brutais como as do Irã, da Venezuela ou de regimes teocráticos que o Brasil, como democracia multiétnica, deveria rejeitar. Essa linguagem, como de parte da direita , é lida no exterior como populismo anacrônico — e, mais grave, como sinal de falta de realismo estratégico. Vimos isso no Brics , no Rio , enquanto o Brasil provocada os Estados Unidos , a primazia do dólar e Israel , o Presidente da China sequer veio . O Presidente da Índia calou . Ambos negociavam com os EUA . Ambos tem consciência: a guerra comercial é o melhor substituto para o que seria a Terceira Guerra Mundial , e este é um ponto chave . Tem seus lemes virados para o futuro.

Ambas as visões, à esquerda e à direita no Brasil , são variações do mesmo erro: tratar o presente com ferramentas do passado e fantasmas que já não se sustentam no contexto atual. Como escreveu Gabriel García Márquez, quando o realismo se deforma pelas obsessões do inconsciente coletivo, nasce o realismo fantástico — uma ilusão que, no nosso caso, custa caro.

O Brasil vive, assim, uma espécie de realismo fantástico político: de um lado, em parte da direita projetam no presente a sombra heroica de 1964. Do outro, a esquerda enxerga em Washington o mesmo "inimigo imperialista" que via nos tempos da guerra do Vietnã. Ambas as narrativas estão deslocadas do tempo histórico. Elas se projetam da nossa política interna para fora . Ambas deixam o Brasil paralisado internamente e de calça curta no cenário global.

E é neste ponto que a metáfora dos avós sacrificando os netos e filhos ganha força: quando as gerações mais velhas insistem em impor suas disputas ideológicas inconclusas e seus complexos às gerações futuras, o futuro é condenado a repetir um passado que não serve mais. Os jovens brasileiros não estão preocupados com o que aconteceu há sessenta anos. Estão preocupados com o que acontecerá nos próximos dez.

Eles querem prosperidade, discutir inteligência artificial, sustentabilidade, produtividade, educação digital, economia criativa, saúde mental, habitação e conectividade. Querem um lugar ao sol . Querem entender por que a China ensina programação no ensino fundamental, como fazem sua incrível revolução tecnológica e de infraestrutura, por que a Estônia já vive em governo 100% digital, por que a Índia atrai centros globais de pesquisa e inovação.

Mas o que a política oferece são debates sobre tanques, telegramas, grampos telefônicos, fantasmas ideológicos e retóricas que já não cabem em lugar nenhum.

O futuro pede passagem

O Brasil tem todos os atributos para ser um país relevante no século XXI: base democrática, diversidade cultural, recursos naturais, território extenso, paz social, economia diversificada e capital humano. Mas falta-lhe uma coisa: realismo estratégico.

Precisamos abandonar as disputas inconclusas do século passado. Nem o autoritarismo militar é solução, nem o antiamericanismo romântico constrói caminhos. O mundo exige pragmatismo, diplomacia, inovação e um senso de urgência que o Brasil, prisioneiro de seu passado precisa chutar pra frente. Uma relativa pacificação interna será a pré-condição.

Como disse certa vez George Kennan, o pai da doutrina de contenção americana: "O maior erro de um país é subestimar as mudanças do seu tempo."

*Ex-ministro do Turismo; ex-secretário de Turismo de São Paulo