A política externa do governo Lula tem se afastado não apenas da diplomacia responsável, mas também dos princípios constitucionais que devem guiá-la. O que se observa é uma prática reiterada de dois pesos e duas medidas, em que aliados ideológicos recebem silêncio ou complacência — mesmo quando promovem violações gravíssimas de direitos humanos ou pregam o extermínio de um povo inteiro —, enquanto adversários políticos são alvo de denúncias públicas e condenações retóricas. As condenações que não são feitas falam tanto quanto — ou até mais do que — as que são feitas.
O silêncio diante do Irã, por exemplo, revela mais do que uma omissão: revela alinhamento. A seletividade no uso da palavra "genocídio" — aplicada com contundência contra Israel, mas jamais contra regimes autoritários que o declaram como alvo — fere a coerência, compromete a credibilidade internacional do Brasil e reduz nossa atuação global a um jogo de conveniências ideológicas. Isso não é diplomacia. Isso é militância disfarçada de política externa.
Eu consigo entender que o presidente Lula considere o que ocorre em Gaza um genocídio. Essa é uma leitura possível, embora controversa. Mas o que me espanta é o silêncio absoluto diante do Irã — país a quem ele presta homenagens e apoios reiterados —, que declara abertamente seu desejo de cometer genocídio contra Israel. Se é legítimo criticar Israel com base na acusação de genocídio, por que Lula não condena um país que afirma abertamente querer exterminar outro? Qual a razão desse silêncio?
Eu também consigo entender que Lula defenda a criação de um Estado Palestino e que insista na solução dos dois Estados. Essa proposta tem respaldo internacional e representa uma saída viável para o conflito. O que não entendo é por que ele jamais menciona que o Irã é abertamente contra a existência de dois Estados. E mais: o Irã é justamente o país que mais apoia e financia grupos terroristas que sabotam qualquer possibilidade de convivência pacífica entre os povos. Criticar Netanyahu por rejeitar a solução de dois Estados é legítimo — mas por que não aplicar o mesmo critério ao Irã?
Eu consigo entender que Lula defenda os direitos das mulheres e das crianças. Mas não consigo compreender seu silêncio diante da opressão brutal contra mulheres no Irã, presas, torturadas e até mortas por não usarem o hijab.
Entendo quando Lula exige que líderes estrangeiros, como Donald Trump, não se envolvam em assuntos internos do Brasil. Mas não entendo como o mesmo Lula faz campanha pública em favor de Cristina Kirchner, condenada por corrupção na Argentina, violando o princípio de não intervenção que ele mesmo invoca.
Compreendo sua oposição à presença militar de Israel na Cisjordânia. Mas por que, então, o mesmo silêncio diante da ocupação ilegal e violenta da Ucrânia pela Rússia?
Também não compreendo por que Lula menciona com tanta frequência o termo "genocídio", mas ignora sistematicamente os reféns israelenses em poder do Hamas. E por que ele não condena com a mesma régua os mísseis lançados contra Israel?
A persistência desse padrão, mais do que levantar dúvidas, revela claramente a falta de isenção e equilíbrio do posicionamento brasileiro no cenário internacional.
É evidente que o presidente busca protagonismo internacional e almeja uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. No entanto, seu duplo padrão, seu alinhamento sistemático com ditaduras e sua seletividade moral não apenas desacreditam essa ambição, como enfraquecem o prestígio internacional do Brasil — como apontou recentemente a revista The Economist.
Mais grave ainda: essa conduta contradiz os princípios constitucionais da política externa brasileira, expressos no art. 4º da Constituição, que exige a defesa dos direitos humanos, da paz, da autodeterminação dos povos e o combate ao terrorismo. Também viola o art. 19, inciso III, que veda tratar brasileiros com preferências entre si.
O que não sabemos é se essa conduta reflete apenas uma militância ideológica — o que já seria inadequado — ou se também funciona como distração, uma tentativa deliberada de desviar o debate dos graves problemas internos que afligem o país. Seja qual for a motivação, nenhuma delas justifica o descumprimento dos princípios constitucionais que devem reger a política externa brasileira.
A lamentável conclusão da análise seca e serena das manifestações e alinhamentos da política externa brasileira é: contra Israel, tudo. Contra as ditaduras, nada. O mundo observa. E os brasileiros também.
*Professor de direito constitucional