Por: Fernando Molica

A PF e o mapa da mina das emendas

Os abusos e ilegalidades cometidos nos últimos anos em apurações de corrupção exigem muita cautela na hora de apontar o dedo para suspeitos, mas investigações da Polícia Federal sobre desvios de dinheiro oriundo de emendas parlamentares são uma espécie de mapa da mina.

Trazem evidências que explicam o porquê da obtenção desse tipo de verba ter transformado o Congresso Nacional e, por extensão, a prática política brasileira.

Com todos os seus muitos defeitos, a Lava Jato, pelo menos, revelou a existência de imensos e sofisticados esquemas de roubalheira, operações que incluíam até mesmo a criação, pela Odebrecht, de um departamento destinado à compra e venda de políticos.

A grandiosidade dos mecanismos foi decisiva, porém, para que que acabassem desvendado. Para usar uma imagem comum na época, bastou puxar algumas penas para se chegar a galos responsáveis pela farra.

O desmanche dos esquemas anteriores fortaleceram a ideia de pulverização da safadeza. As pequenas obras públicas recebem menos atenção da nossa precária estrutura de acompanhamento e fiscalização.

É complicado fazer com que o Ministério Público e os tribunais de contas — estes, quase sempre contaminados pelos piores interesses políticos — deixem de lado iniciativas que envolvem grandes orçamentos e passem a usar a lupa para examinar a construção de um posto de saúde, o asfaltamento de uma rua, a compra e doação de um trator.  

Não por acaso, essas obras e compras menores são os grandes focos das emendas parlamentares ao orçamento da União. O caráter paroquial do objeto desses contratos favorece eventuais arranjos com os prestadores de serviços, torna mais vulneráveis os processos de licitação — facilita o estabelecimento do chamado "pedágio", o valor ilegalmente devolvido por prefeituras e governadores ao parlamentar responsável pela liberação do recurso.

A farra das emendas começou ainda no governo Dilma Rousseff; fragilizada, viu o Legislativo aprovar a obrigatoriedade de pagamento desses apêndices. Também ameaçado, Jair Bolsonaro autorizou a ampliação do mecanismo.

Lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Lula em 2023 estabeleceu critério simplificado para celebração, execução, acompanhamento e prestação de contas de convênios e contratos com valor inferior a R$ 1,5 milhão. 

O esquema é muito fácil de ser entendido. Um prefeito que quer determinada obra não precisa gastar tempo e dinheiro peregrinando por ministérios em Brasília, basta conseguir que um deputado ou senador se disponha a incluí-la no orçamento da União. 

A simplicidade, porém, tem suas desvantagens. De maneira mais ampla, a distribuição de recursos no varejo municipaliza o dinheiro federal, dificulta e até impede obras estruturantes, capazes de beneficiar toda uma região.

O problema maior é a facilidade de desviar dinheiro, algo que permitiu a criação de uma cultura de roubo, uma normalização da safadeza. Trata-se de um esquema, ironicamente, mais democrático, ao alcance de todos os parlamentares (ainda que alguns tenham direito a fatias maiores do bolo).

O tal do pedágio foi incorporado ao custo de muitas obras, assim como as mega empreiteiras, durante décadas, mantinham um fluxo de caixa para abastecer políticos e campanhas eleitorais.

A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) foi transformada numa grande agência de repasse de recursos originários de emendas parlamentares.

Seria injusto generalizar, afirmar que a grande maioria dessas emendas tem o objetivo de abastecer o bolso de políticos, mas a quantidade de evidências e o peso que essas verbas ganharam no Congresso indicam que há muito a ser apurado.