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É o público quem deve julgar a arte

A sociedade regride, pelo menos, umas quatro décadas quando perde a habilidade de distinguir personagens de personalidades, ficção de fatos e piadas de crimes. A incapacidade de fazer essas distinções básicas não é apenas um sintoma de desinformação, mas um alerta vermelho para o retrocesso civilizatório em curso. Quando se pune a arte, inibe-se diretamente a liberdade de expressão.

Não cabe à Justiça determinar qual tipo de humor é aceitável ou não. Esse papel cabe ao público, aos patrocinadores e aos investidores. Se um conteúdo artístico, seja ele provocador, satírico ou desconfortável, não agrada, é do mercado e da audiência a prerrogativa de rejeitá-lo: não consumir, não patrocinar, não dar espaço. A censura estatal, disfarçada de moralidade judicial, é um risco perigoso que coloca toda a produção artística sob suspeita e vigilância.

Ao punir comediantes e artistas por exercerem sua arte no palco — lugar por excelência do exagero, da crítica e da provocação — a Justiça passa a decidir, de forma preocupantemente autoritária, o que pode ou não ser dito, o que pode ou não ser encenado. E isso é mais do que um equívoco: é um precedente perigoso.

Pior ainda, é quando se confunde um deboche sobre o absurdo com uma opinião preconceituosa emitida de maneira fria e intencional. Nesse momento, abre-se um caminho para a censura de conteúdos artísticos sob o pretexto de proteção ou decoro. E aí cabe a pergunta: qual será o próximo passo? Prender atores de novela por interpretarem vilões? Censurar filmes que mostrem personagens politicamente incorretos? Criminalizar quem satiriza políticos em programas de humor?