Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

O bom Corleone à casa torna

Francis Ford Coppola (de barba) no set de filmagens de 'O Poderoso Chefão', com Marlon Brando, Salvatore Corsitto e James Caan | Foto: Divulgação

 

Um reencontro com Don Vito Corleone está agendado para às 20h desta segunda na rede Cinemark, nas unidades de Botafogo e do Village Mall, numa revisão histórica de "O Poderoso Chefão" (1972) em tela grande. A parte II da trilogia, lançada 51 anos atrás, também vai ter projeção, só que na terça, também às oito, nos mesmos espaços. É uma chance a mais de a franquia ampliar sua receita e reatualizar a base fãs do diretor Francis Ford Coppola. O Festival de Cannes, que inaugura esta semana sua 78ª edição, recebeu o cineasta no ano passado, em competição, com o controverso "Megalópolis", hoje disponível para aluguel no Prime Video, a plataforma digital da Amazon. Ele segue a passar seus maiores sucessos em revista.

"Minhas narrativas vão e voltam e cada uma, a seu modo, aborda angústias de figuras tratadas à margem", disse Coppola ao Correio da Manhã na feita nerd Comic-Con, em San Diego, em 2011, quando trabalhava nas comemorações dos 40 anos da trilogia sobre o clã dos Corleone, decalcada da literatura de Mario Puzo (1920-1999), a partir de um romance de 1969.

Aclamado pela crítica literária, o best-seller de Puzo, cujo título é "O Padrinho", foi lançado no apagar das luzes da década de 1960 e vendeu nove milhões de cópias ao longo de seus dois primeiros anos de publicação. Durante 67 semanas, o livro liderou a lista de romances mais vendidos do "The New York Times". O autor recebeu US$ 80 mil pelos direitos autorais da adaptação.

Marco histórico, coroado com os Oscars de Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado (recebido pela filha de Mario, Dorothy Ann Puzo) e Melhor Ator (Marlon Brando), o primeiro "Chefão" custou US$ 6 milhões e faturou US$ 246 milhões, consagrando Al Pacino, então com 31 anos, no papel de Michael Corleone. A primeira escolha do estúdio para dirigir o filme foi Sergio Leone (1929-1989), o realizador do sucesso "Era Uma Vez no Oeste" (1968), mas ele disse "Não!", pois preferiu fazer seu próprio projeto ligado ao universo dos gângsters, "Era Uma vez Na América" (1983). Outros diretores foram sondados: Peter Yates, Richard Brooks, Arthur Penn, Costa-Gavras e Otto Preminger. Nenhum fechou com a Paramount. Coppola havia se destacado como diretor com "Caminhos Mal Traçados", ganhador da Concha de Ouro de San Sebastián, em 1969. Seu principal crédito, à época, era o de roteirista, por seu trabalho em "Patton - Rebelde ou Herói" (1970). Parte desta história está contada no seriado "The Offer", no ar na Paramount Plus.

Graças ao empenho da distribuidora O2 Play, Coppola, o artesão autoral mais polêmico da Nova Hollywood, veio até nós, no Brasil, trazer "Megalópolis" para o desfecho da Mostra de São Paulo, na Cinemateca Brasileira, onde conquistou a láurea honorária Leon Cakoff. Numa coletiva de imprensa num teatro no Itaim Bibi, o titã confessou ter amparado as lágrimas de Glauber Rocha (1939-1981) num encontro em São Francisco, no qual o realizador baiano temia não poder voltar para o Brasil fardado da ditadura militar.

Cruzou com Glauber pelo mundo conforme promovia o legado dos Corleone. O segundo "O Poderoso Chefão" teve custo maior (US$ 13 milhões) e renda menor (US$ 193 milhões) do que o original, porém é igualmente cultuado, tendo conquistado seis estatuetas douradas da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Inclua aí a de melhor direção pra Coppola e a de ator coadjuvante, entregue a Robert De Niro. Seu sucesso aconteceu num momento em que seu realizador comemorava a conquista da Palma de Ouro de Cannes por "A Conversação", também em 1974. Já a parte III, de 1990 - relançada em 2020 com o título "O Poderoso Chefão de Mario Puzo - Desfecho: A Morte de Michael Corleone" - disputou o Oscar em sete frentes e não levou nenhum, sendo bem mais caro que seus antecessores (US$ 54 milhões) e tendo bilheteria menor (US$ 136 milhões). Só que os 35 anos que se passaram de seu lançamento para cá depuraram esse vinho estético e afiaram seu sabor.

Sua reformulação foi desenvolvida ao largo da pandemia, a partir de reflexões que o cineasta apresentou no Festival de Tribeca, em Nova York, em 2019, num papo com o também diretor Steven Soderbergh. "O exercício de linguagem que fizemos nos tempos de "O poderoso chefão" encontrou dificuldade de levantar financiamento e assegurar distribuição, pois não havia um padrão entre nós. Naquela época, nossos filmes ensinaram o cinema a encontrar novas maneiras de expressar humanidade, nas formas mais distintas, sem confiar em muletas mercadológicas que hoje cansam plateias", disse ele a Soderbergh.

Quem sabe, até dezembro, o Cinemark não exibe essa parte três. Nesta terça, ao entregar a Palma de Ouro Honorária a Robert De Niro, Cannes vai revisitar cenas de "O Poderoso Chefão II" com o astro.