Por: Ana Laura Gonzalez - SP

Biossensor detecta metástase de câncer de boca pela saliva

Aparelho dispensa necessidade de procedimentos invasivos | Foto: Divulgação

Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) desenvolveram um protótipo de biossensor capaz de detectar sinais de metástase em pacientes com câncer de boca por meio da saliva, sem necessidade de procedimentos invasivos. A tecnologia, descrita em artigo publicado na revista Small, tem potencial para reduzir cirurgias desnecessárias e tornar o tratamento mais preciso.

O dispositivo identifica concentrações de três biomarcadores específicos associados à doença — proteínas LTA4H, CSTB e COL6A1 — que podem ser detectadas quando o câncer começa a se espalhar para os gânglios do pescoço, agravando o quadro clínico.

A detecção é feita por meio da espectroscopia de impedância eletroquímica, que analisa o comportamento das proteínas quando entram em contato com a área ativa do sensor, composta por ZIF-8, um material poroso que imobiliza anticorpos específicos, permitindo a “captura” precisa das proteínas.

Segundo Adriana Franco Paes Leme, pesquisadora do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) do CNPEM, que coordena o projeto, os biomarcadores foram identificados por mapeamento proteico do tecido tumoral e analisados na saliva pelo protótipo. O desenvolvimento contou com apoio do CNPEM e da FAPESP (processos 23/16779-9, 22/14348-8, 18/12194-8, 17/25553-3, 16/24664-3, 18/15535-0 e 18/18496-6).

Potencial para o SUS

O objetivo é disponibilizar o biossensor no Sistema Único de Saúde (SUS). “É um avanço importante, que permite decisões clínicas mais rápidas e precisas, com grande potencial de impacto no sistema público de saúde”, afirma Paes Leme.

Além de econômico e de aplicação simples, o exame não é invasivo nem causa desconforto ao paciente. A detecção precoce de metástase auxilia médicos na definição do tratamento mais adequado, podendo melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

O estudo também incorporou algoritmos de inteligência artificial para interpretação dos resultados. Modelos de machine learning treinados pelos pesquisadores identificaram casos de metástase com até 76% de acerto a partir do perfil das proteínas na saliva, sendo a proteína LTA4H o marcador mais eficaz para diferenciar pacientes com e sem disseminação tumoral.

Atualmente, pacientes com câncer de boca frequentemente passam por cirurgias exploratórias, como a dissecção cervical, que podem gerar complicações e sequelas. Luciana Trino Albano, responsável pelo estudo durante seu pós-doutorado no CNPEM, afirma que cerca de 70% dessas cirurgias não encontram metástase. “Com o exame, essas intervenções poderiam ser evitadas”, afirma.

As pesquisadoras estão desenvolvendo etapas para produção em escala do biossensor, com expectativa de transformar o exame em um kit portátil e acessível em até três anos. O dispositivo poderá ser usado em hospitais, consultórios odontológicos e programas públicos de rastreamento, beneficiando principalmente homens, grupo mais afetado pelo câncer de boca, ligado ao tabagismo, consumo de álcool e infecção por HPV.