Por: Rafael Lima

Ex-vereador no interior de SP tem direitos políticos cassados por fala com teor racista

Sessão Extraordinária foi realizada nesta quinta-feira, 17 de julho, na Câmara de São Roque | Foto: CM

"Fiquei surpreendida com o posicionamento da Câmara, o espaço foi usado para debater a história das mulheres negras", foi assim que a professora do Instituto Federal de São Roque e integrante do Movimento Negro Unificado (MNU), Vivian Delfino Mota, resumiu o resultado da votação realizada em Sessão Extraordinária na Câmara Municipal de São Roque, no interior paulista, nesta quinta-feira (17).

O ex-vereador Rogério Jean da Silva, conhecido como Cabo Jean, teve seu mandato cassado por quebra de decoro parlamentar. A decisão decorre de um processo conduzido pela Comissão Processante, instaurada após denúncia de racismo apresentada contra o ex-parlamentar. Durante Sessão Ordinária na Casa Legislativa, no dia 10 de dezembro de 2024, o então vereador Cabo Jean, durante discussão com outro vereador, proferiu a seguinte frase: 'Você manda talvez na sua casa, com as suas negas'.

O Correio da Manhã acompanhou todo o processo de julgamento, sendo o primeiro veículo, na época, a detalhar todo o caso e ouvir especialistas sobre o assunto e a possível fala racista do então parlamentar de São Roque. Vivian foi uma das denunciantes e, após o resultado da votação, disse à reportagem: "Nossa luta é para desnaturalizar qualquer fala que venha a colocar um processo pejorativo sobre a história e sobre os corpos da população negra. É sobre isso. Queremos visibilidade, valorização e respeito. Foi isso que fui buscar", falou ao Correio.

Durante a Sessão desta quinta-feira, foi levantada a discussão de que o julgamento teria teor político, já que vereadores da base optaram pela cassação e da oposição defendiam Jean, afirmando que ele não teve a intenção de atingir o povo negro e não foi racista. "Em todo momento, nunca tive a intenção de colocar esse processo como uma disputa política. Eu trabalho na cidade, participo da vida da cidade, mas não tenho nenhuma ligação política com ninguém de São Roque. Não sou filiada a nenhum partido, muito menos voto no município. Não tenho entremeios políticos para além do Instituto Federal. Fiquei surpreendida com o posicionamento da Câmara. Se ele é político ou não, não me compete julgar isso. Mas pedagogicamente, foi um ganho sem tamanho", ressaltou Vivian, que completou: "o espaço foi usado para debater a história das mulheres negras. Eu entendo que o plenário disse que isso não é mais cabível. Abre um precendente para que não ocorra mais. Não só com a questão racial, mas com qualquer outra questão que afete a dignidade e o direito das pessoas", concluiu.

Entenda o caso

O processo teve início em fevereiro de 2025, após recebimento da denúncia formalizada por meio da Correspondência nº 184/2024. A comissão foi composta pelos vereadores William da Silva Albuquerque (presidente), Rafael Tanzi de Araújo (relator) e Wanderlei Divino Antunes (membro).

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Durante discussão, ex-vereador proferiu 'você manda talvez na sua casa, com as suas negas' | Foto: Reprodução/YouTube

Segundo a denúncia, Rogério Jean proferiu fala considerada racista durante uma sessão plenária transmitida ao vivo. O episódio motivou indignação de parlamentares e munícipes, resultando em um processo político-administrativo que percorreu diversas fases: oitiva dos denunciantes e testemunhas, apresentação de defesa prévia e final pelo denunciado, análise jurídica e elaboração de votos divergentes dentro da comissão.

O relator Rafael Tanzi apresentou parecer considerando o denunciado culpado, mas propôs uma penalidade alternativa à cassação. No entanto, os vereadores William Albuquerque e Wanderlei Antunes divergiram e elaboraram voto em separado defendendo a cassação do mandato.

Segundo o voto em separado, os parlamentares entenderam que a fala de Rogério Jean violou a dignidade do cargo, caracterizando quebra de decoro. Além disso, destacaram que mesmo fora do exercício do mandato (que se encerrou em 2024), a cassação tem valor simbólico, administrativo e jurídico, produzindo efeitos como a inelegibilidade por oito anos.

Os parlamentares afirmam que os fatos apurados indicam a prática de racismo estrutural, confirmada pelas testemunhas. "Esta sanção de cassação se aplica mesmo após o término do mandato, tendo em vista que a infração foi praticada no exercício do cargo, sendo o julgamento e a responsabilização parte integrante da proteção institucional do decoro do Poder Legislativo", afirmou o texto.

Defesa

A defesa do ex-vereador, durante a sessão, argumentou que o crime de racismo exige dolo, quando há intenção clara de discriminar, e que essa mesma intenção não existiu durante a fala de Jean. Afirmou ainda que vai recorrer do resultado da votação no Judiciário.

O ex-parlamentar também discursou na Câmara de São Roque, afirmou que estava com a consciência limpa e que aprendeu com seus próprios erros. Além de reafirmar que não cometeu racismo e que não teve a intenção de atingir ninguém. "Tive uma fala infeliz, quem nunca errou?". Na ocasião, Jean pediu desculpas publicamente à Vivian, que estava presente na sessão, e a todos que tenham se ofendido.

Vale ressaltar que, ainda durante a fala do ex-vereador que teve seu direitos políticos cassados, ele proferiu outra palavra considerada, por muitos, de teor racista: "não tive a intenção de 'denegrir' ninguém".

O Correio da Manhã reafirma que procurou o então vereador, na época de sua fala. A reportagem ligou e lhe enviou mensagens através do WhatsApp, porém, de dezembro de 2024 até momento, não obteve nenhum retorno.