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Pesquisadores de São Carlos alertam para Ciência dos oceanos

Artigo destaca mecanismos para superar assimetrias e defende ciência oceânica mais inclusiva | Foto: Fio/Freepik

O oceano é o maior ecossistema do planeta e, embora sua maior parte esteja no hemisfério Sul, o conhecimento científico sobre ele foi moldado principalmente por pesquisas conduzidas no Norte global. Essa disparidade deixou extensas áreas pouco estudadas, incluindo regiões-chave para compreender os ciclos essenciais para a vida, como a foz do rio Amazonas.

O alerta é tema de um artigo publicado na revista Ocean Microbiology, liderado por Hugo Sarmento, docente do Departamento de Hidrobiologia da UFSCar, situado na cidade de São Carlos, em colaboração com 84 pesquisadores de 19 países.

A pesquisa

O estudo destaca os principais serviços prestados pelo oceano, como a regulação climática por meio da absorção de carbono e calor, além da produção de cerca de metade do oxigênio do planeta. Também alerta para ameaças crescentes, como mudanças climáticas, pesca predatória e poluição.

Sarmento foi um dos coordenadores do AtlantECO, rede internacional financiada pela União Europeia com participação de cientistas europeus, brasileiros e sul-africanos.

Desigualdades

O artigo aprofunda a análise sobre o microbioma oceânico. Para estudá-los, é necessário coletar amostras ao redor do globo e realizar sequenciamento genético, práticas caras e acessíveis a poucos centros de pesquisa.

Os autores também traçam um paralelo entre práticas antigas e o cenário atual, em que pesquisadores de países desenvolvidos realizam estudos em regiões remotas sem envolver cientistas locais ou comunidades residentes - fenômeno conhecido como "Ciência de paraquedas", ainda recorrente. Como exemplo, são citados trabalhos sobre a Corrente de Benguela, na África, e sobre a pluma amazônica, frequentemente conduzidos por equipes do Norte global.

Outro problema é a inclusão simbólica de pesquisadores locais apenas para cumprir exigências legais, como determina a Lei de Biodiversidade no Brasil. Sarmento considera essa prática eticamente questionável, pois não representa colaboração real. Por isso, o grupo defende parcerias genuínas, baseadas em participação equitativa e compartilhamento de benefícios.

Diplomacia científica

Entre as medidas propostas estão ações de diplomacia científica para ampliar investimentos e fortalecer relações Norte-Sul e redes Sul-Sul.

O artigo também se insere em um debate maior sobre governança da biodiversidade marinha, especialmente após a aprovação, em 2023, do Acordo BBNJ - o Tratado Global dos Oceanos - que entrará em vigor em 2026, já assinado pelo Brasil e ratificado pelo Congresso. O Tratado define regras para o uso de recursos genéticos marinhos, incluindo informações de microrganismos armazenadas em bancos de dados públicos, de alto potencial econômico e biotecnológico.

O acordo estabelece que parte dos lucros obtidos com o uso desses genes - muitos originários de águas do hemisfério Sul - será destinada a um fundo internacional de apoio à pesquisa oceânica. Esse fundo financiará ações de capacitação e infraestrutura científica em países em desenvolvimento, especialmente próximos às áreas de origem dos recursos estudados. Para Sarmento, essa divisão busca equilibrar desigualdades históricas na produção de conhecimento sobre os oceanos.

Ciência inclusiva

Segundo a publicação, compreender a complexidade do oceano - vasto, dinâmico e dominado por vida microscópica - demanda investimento, tecnologia e cooperação entre países e instituições.

O artigo destaca mecanismos para superar assimetrias históricas, do fortalecimento de redes regionais a políticas globais de repartição justa de benefícios.

Segundo a publicação, os autores defendem uma ciência oceânica mais inclusiva e representativa, capaz de atender aos desafios ambientais futuros.