Por: Raquel Valli

Prefeitura de Campinas (SP) desiste de recurso contra rodeio, mas afirma que segue contra

MP solicitou documentos que embasassem a proposta, incluindo fundamentos técnicos | Foto: Claudemar Alves de Oliveira/ Senado

O Estatuto dos Animais de Campinas (SP) proíbe que rodeios sejam realizados na cidade. Mas, o partido MDB (Movimento Democrático Brasileiro) entrou na Justiça para derrubar artigos da lei. A medida cautelar, provisória, foi aceita pelo Judiciário, e hoje Campinas pode realizar rodeios até que o caso seja julgado de forma definitiva. A Prefeitura entrou com recurso para assegurar que o Estatuto siga valendo, mas, agora, neste mês de dezembro, desistiu, retirando o recurso, sem explicações.

“Não houve uma justificativa pública. Nós não sabemos o conteúdo desse despacho”, afirma a advogada ambiental e de direitos dos animais, Angélica Soares. “Eu entrei com um pedido de informação, que foi negado por duas vezes. Entrei com recurso para eles mostrarem o teor que até agora não foi dado à população acerca dessa decisão administrativa”, complementa.

A decisão de liberar os rodeios foi dada em setembro pelo juiz Flavio Abramovici, que suspendeu os artigos 99 e 100 do Estatuto Municipal de Proteção dos Animais (Lei 15.449/2017). Espetáculos com animais, incluindo rodeios, são proibidos em Campinas desde 2003, quando a lei 11.492, de autoria do então vereador Paulo Búfalo (Psol-SP) foi sancionada pela então prefeita Izalene Tinene (PT-SP) e depois incorporada ao estatuto.

A protetora Maria Locatelli, que encabeça o movimento contra o rodeio na cidade, afirma que “na campanha de reeleição, o prefeito (Dário Saadi - Republicanos/ SP) assinou uma carta compromisso com a causa animal, mas que não a cumpriu”. Pontua que “a causa não é lixo para usar e descartar”, e que “o prefeito quer ser o Cavalo de Tróia da proteção animal”.

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Prefeitura desistiu do recurso | Foto: Reprodução

Outro lado

Questionada pelo Correio da Manhã, a Prefeitura informou que “defenderá a constitucionalidade da lei impugnada perante o Tribunal de Justiça de SP, sem prejuízo da desistência do recurso de agravo interno”.

Quanto à decisão de desistir do recurso, declarou que o fez "pela necessidade de garantir segurança jurídica, buscar uma solução definitiva e evitar constantes alterações na eficácia da lei durante a ação direta de inconstitucionalidade".

Pró-rodeio

O vereador Arnaldo Salvetti (MDB-SP) é quem articula a liberação de rodeios na cidade. Um projeto de lei, de autoria do parlamentar, foi protocolado em 2024 na Câmara Municipal de Campinas, sustentando que esse tipo de evento aquece a economia local, estimulando o comércio, o turismo e a criação de postos de trabalho. 

Savetti pontua que a ação pode ter viés social e parte do lucro revertido para instituições, como ocorre com o Hospital do Câncer de Barretos (SP), por exemplo. Além disso, que não haverá custos para a Prefeitura, já que os investimentos serão feitos pela iniciativa privada. 

Em relação ao bem-estar animal, defende que há a presença obrigatória de veterinários nos rodeios; que os bichos recebem suplementação vitamínica e transporte adequado, e que as práticas atuais (como as utilizadas para cavalos e touros saltarem) eliminam métodos abusivos do passado.

“Em minha opinião, hoje não tem mais maus-tratos em rodeio. Os animais são bem-tratados e estamos perdendo receita e empregos aqui em Campinas”, declarou publicamente o parlamentar.

Contra

De acordo com os protetores de animais, os recursos advindos com rodeios não ficam nas cidades em que os eventos são realizados porque as divisas ficam com as companhias de rodeio cujos CNPJs são de outros municípios.

Sustentam que a festa “chega pronta, montada”, não gerando empregos locais porque as companhias "já trazem tudo pronto" não podendo ficam à mercê de trabalhadores temporários, que podem, ou não, aparecer.

Quanto ao bem-estar animal em si, defendem que a presença obrigatória de veterinários é falaciosa, porque esses profissionais são contratados e pagos pelas próprias companhias. Em relação ao transporte, pontuam que os animais ficam expostos na chuva, no sol, no vento, sem água e nem comida por quilômetros, presos às baias, em pé, em cima de caminhões. 

Sobre os métodos utilizados, sustentam que práticas foram abolidas, mas que foram substituídas por outras, já que os animais não pulam sozinhos - precisam ser condicionados a fazê-lo por meio de estímulos externos.

As justificativas foram apresentadas publicamente nas comissões da Câmara que discutiram a volta dos rodeios à cidade.

Em uma delas, realizada em 2024, um laudo técnico de mais de 200 páginas foi apresentado pela doutora Vania Plaza Nunes, diretora técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal e presidente da Comissão de Médicos Veterinários de ONGs do CRMV-SP (Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo). 

Nunes é colaboradora técnica da Sociedade Mundial de Proteção Animal (World Society Protection of Animals) e resumiu de forma científica o que ocorre com os animais nos rodeios. 

Ministério Público

Um inquérito foi aberto pela 12ª Promotoria de Justiça Cível de Campinas para apurar o projeto de lei (238/2024) de Salvetti, que libera os rodeios e revoga o estatuto dos animais neste aspecto. 

O Ministério Público solicitou documentos que embasassem a proposta, incluindo fundamentos técnicos. Para a promotoria, entretanto, o material entregue foi considerado insuficiente.